O
som do relógio a despertou, meio a contragosto.
Os
olhos azuis, piscaram. Devagar, abriram para se casarem, com a
claridade.
O
rosto amassado e o cabelo em desordem, desenhavam
um poema marginal.
O
relógio reclamava sem razão, e a mão, o calou, como uma
sentença ríspida.
Dirigiu-se
ao banheiro, e escovou os dentes. Urinou. Olhou no espelho e não
encontrou nada de diferente
nela.
Voltou,
ligou a TV, apenas para ter
um mínimo de barulho
no
ambiente.
Não gostava do silêncio, o silêncio afligia a alma.
Na
TV, algum programa barato, na
programação do dia.
Não comprou
a
TV a
cabo,
pelo menos, não ouviria tanta
besteira, apesar,
que não se importava muito com isso.
Viajou
para cozinha. Lá, a pia era um oceano carregado de pratos a deriva.
Com preguiça, lavou o bule de
café
e lançou água dentro dele, para ferver.
Esperou
um pouco. Logo a fumaça e o perfume do café, escaparam pela janela
do prédio, para ganharem o ar da cidade esfumaçada
de poluição.
O
corpo não descansou direito. Chegou quase as
duas da madrugada.
Isso porque, inventou a famosa desculpa de dor de cabeça. Mas, o
corpo cansado, exigia que tirasse folga, senão, gritaria por fuga.
Ela não obedeceria, daria um jeito, havia
tantos remédios para animar
e permanecer disposta,
que esqueceria o cansaço.
Bebeu
o café escutando as baboseiras da TV.
Levantou,
voltou ao banheiro para se rever no espelho.
Alguma coisa errada,
diferente. Não soube o que tinha de errado. O corpo? Uma doença
florescendo? Nada. Desconhecia o que estava errado.
Um
pouco mais tarde, a amiga chegou. A
menina,
escandalosa em se vestir, veio reclamar da última noite. Levou
beliscões nas nádegas.
Como
prova, abaixou a calça para mostrar os hematomas.
Convidou
a menina
para almoçar. Não tinha comida, e sim lanche. Não teve tempo para
ir ao supermercado. Sobrou o pão de ontem de manhã.
A
amiga recusou. Passou pra deixar um beijo nela.
Tinha compromissos.
A
amiga se despediu. Queria que ficasse mais um pouco, uns
assuntos do trabalho a tratar.
A
TV ligada sem atenção, encobria o ambiente. Faltava muito pra noite
chegar, e o corpo reclamava sem pausa.
O relógio chamou quinze minutos atrasados. Estava de protesto por ter sido sentenciado de manhã.
O relógio chamou quinze minutos atrasados. Estava de protesto por ter sido sentenciado de manhã.
Correu
pra tomar banho e
se arrumar, enfeitar-se, colocar
saia curta, batom nos lábios, brincos grandes nas
orelhas
e o piercing no nariz, era um charme a mais. A bolsa a tiracolo, uma
alegoria para as mulheres. Ganhou à noite celebrada.
Chegou
cinco minutos atrasada. O chefe olhou de cara feia. Apressou-se,
correu para o quartinho, onde as
moças
davam os últimos retoques de
beleza.
Ela ajeitou o busto e ergueu sua miniblusa rosa. Penteou os cabelos e verificou o piercing. Nada desordenado, o serviço chamava há tempos.
Ela ajeitou o busto e ergueu sua miniblusa rosa. Penteou os cabelos e verificou o piercing. Nada desordenado, o serviço chamava há tempos.
A
amiga chamou com um grito.
Ela
a viu, sentada com dois homens, que deslizavam as mãos, feito balé
nas pernas dela.
Ficou
dois minutos sozinha. Logo a primeira companhia apareceu. Um homem,
que nunca esteve no local. Tinha cicatriz no rosto. Levou-o ao
quarto, mesmo tendo escutado a reclamação do valor do
serviço.
Cinco
minutos. Cinco minutos que duraram. Não houve palavras, nem nomes
ditos. Cinco minutos e o valor lançado na cama, sem
reclamações.
Entrou
no banheiro. Lavou-se. Pensou que tudo poderia ser diferente. Então,
o que deveria ser diferente?
Em
três minutos, saiu. A amiga não estava mais no
lugar que se encontrava.
Suspirou, não sabia que noite teria, para
esse dia.
Foi
embora tarde. Três da madrugada. A rua mais vazia, do que
movimentada. Movimentos somente dos automóveis.
Seguiu
a pé para casa. O prédio não era longe, e ela acostumava comprar
um hot dog na chapa do carrinho do Alemão.
Atravessando
o semáforo, ao lado dela, três personagens femininas a acompanhavam.
Uma era menina, criança. Tinha seus doze anos, vestia vestido
marrom, os cabelos claros e cacheados e de echarpe no pescoço. A
outra, uma moça de uns trinta anos. Usava saia preta, os cabelos
curtos e pretos, argolas nos braços e sapato vermelho de salto alto.
A última, uma idosa, estava de chapéu preto com véu, que encobria
a parte dos olhos. Uma blusinha de lã enfeitava
seu corpinho magro, demonstrava uma cara feia e costurava em linhas
de crochê.
Ela
prestou atenção nas três personagens. Plantou dúvidas, se havia
encontrado com elas algum dia. Não ali, mas em outro lugar. No
entanto, a moça começou a puxar conversa, ao chegarem na outra
calçada.
– Olá, bonitinha. Indo pra casa?
– Besta. Onde já se viu, perguntar se está indo pra casa? – Disse a menina, dando risinhos.
– Não gosto dela. Tem cheiro de homem. Homem fedido. Ela fede, fede homem. – Disse a idosa, numa voz de papagaio.
– Não ligue pra minhas irmãs. São chatinhas. – Disse a moça.
– Irmãs? – Perguntou surpresa.
– Sim, irmãs. Somos três. Ou você é cega? – Disse a menina.
– Não seja mal-educada. – Disse a moça, fazendo uma cara feia para a menina, que mostrou a língua.
– Ela fede. Então não gosto dela. Fede homem. – Reclamava a idosa, que não parava de mexer no crochê.
- Mas, quem são vocês? Nos conhecemos?
– Oh, não sabemos. – Respondeu a moça.
– Ela não quer falar, mas te conhecemos sim. – Falou a menina, encarando a irmã.
– Oh, não ligue. Ela tem o temperamento endiabrado. – Esbofeteia a cabeça da menina.
– Sinceramente nunca as vi, na minha vida.
– Porque você não sabe quem realmente, é na verdade. – Respondeu a menina.
– Ela não sabe, por que fede homens. Há homens nojentos nela. – Falou a idosa.
– Bonitinha, do que sabemos, é o que adormece dentro de você. Falta alguma parte, uma parte vazia, que não consegue se completar. É nessa parte, que precisa se encaixar. É a peça que falta, para voltar ao seu movimento. – Explicou a moça.
– Olá, bonitinha. Indo pra casa?
– Besta. Onde já se viu, perguntar se está indo pra casa? – Disse a menina, dando risinhos.
– Não gosto dela. Tem cheiro de homem. Homem fedido. Ela fede, fede homem. – Disse a idosa, numa voz de papagaio.
– Não ligue pra minhas irmãs. São chatinhas. – Disse a moça.
– Irmãs? – Perguntou surpresa.
– Sim, irmãs. Somos três. Ou você é cega? – Disse a menina.
– Não seja mal-educada. – Disse a moça, fazendo uma cara feia para a menina, que mostrou a língua.
– Ela fede. Então não gosto dela. Fede homem. – Reclamava a idosa, que não parava de mexer no crochê.
- Mas, quem são vocês? Nos conhecemos?
– Oh, não sabemos. – Respondeu a moça.
– Ela não quer falar, mas te conhecemos sim. – Falou a menina, encarando a irmã.
– Oh, não ligue. Ela tem o temperamento endiabrado. – Esbofeteia a cabeça da menina.
– Sinceramente nunca as vi, na minha vida.
– Porque você não sabe quem realmente, é na verdade. – Respondeu a menina.
– Ela não sabe, por que fede homens. Há homens nojentos nela. – Falou a idosa.
– Bonitinha, do que sabemos, é o que adormece dentro de você. Falta alguma parte, uma parte vazia, que não consegue se completar. É nessa parte, que precisa se encaixar. É a peça que falta, para voltar ao seu movimento. – Explicou a moça.
Ela
a
encarou,
num gesto de incompreensão.
– Eu, eu não entendi. – Ah, mas seu dia de compreender, já chegou. Nem tudo permanece adormecido, por muito tempo. – Disse a menina, que pulava serelepe.
– Deusa acorrenta! Deusa acorrentada! – Repetiu a idosa insana.
– Não ligue. Minhas irmãs, não sabem se comportar.
– Eu, eu não entendi. – Ah, mas seu dia de compreender, já chegou. Nem tudo permanece adormecido, por muito tempo. – Disse a menina, que pulava serelepe.
– Deusa acorrenta! Deusa acorrentada! – Repetiu a idosa insana.
– Não ligue. Minhas irmãs, não sabem se comportar.
Quando
chegaram ao carrinho do Alemão,
as três se despediram
e desapareceram.
Nunca as
encontrou na cidade.
Pelo que recordava,
não.
Depois
que comeu o hot dog, voltou
pra casa. Tomou
banho. O corpo lhe deu
um
sermão. O
dia tinha sido, muito puxado para ela.
Desabou
na cama. As três personagens,
não se
apagaram
da sua
memória. Quem
seriam
ou o que faziam, não saberia, responder.
O
relógio a acordou
em gritos histéricos. Pra descontar da
afronta,
o jogou
no chão. Ele nem emitiu
um choro.No
banheiro, urinou
e escovou
os dentes. Em seguida, ligou
a TV.
Dessa vez, deixou
no canal de desenho.
Ela
sonhou com um lugar. Um lugar de maravilhas, de belas pessoas
fortes. Pessoas especiais, sem
defeitos, sem
erros humanos.
Gente
que estava,
além da compreensão, longe das leis humanas.
O
lar, morada no céu, era
Olympus.
E o
pessoal,
a chamavam de irmã. E o seu corpo, era diferente,
não esse que, habitava
nela.
Era sem manchas e
sem
feridas, e nenhum homem, o
violou ou explorou. Nesse lar de maravilhas, ela pertencia, vivendo
maravilhosamente,
feliz.
Tinha
até
um
nome. Não se lembrava
dele. Possuía
um
nome quando, a chamavam:
Adéia? Amistiça? Amara? Afro… Era afro alguma coisa. Não
lembrava
de
nada.
Olhou-se no espelho. Percebeu que o corpo, não a pertencia. Estava tudo errado e machucado. Não era dela. Teve dúvida:
– Quem sou eu? Quem?
Olhou-se no espelho. Percebeu que o corpo, não a pertencia. Estava tudo errado e machucado. Não era dela. Teve dúvida:
– Quem sou eu? Quem?
Encarando
sua imagem refletida, os pensamentos viraram
metralhadoras de dúvidas e perguntas. Se lembrasse do nome…
– Afro… Afrodisíaco? Afro…
– Afro… Afrodisíaco? Afro…
Em
combate com a memória, ela
inutilmente, combatia
em vão.
– Não. Não sei quem sou. Não sei…
– Não. Não sei quem sou. Não sei…
Retornou
para o quarto. A
TV, era
um
baile de sons vomitados. Ela se contentou
a permanecer na
mesma sintonia de chiados, sem protestar.
O conformismo, um
rotineiro,
vencedor.
Do
lado de fora, vigiando sua janela, três figuras. Três mulheres. A
criança, a moça
e a idosa.
– Pobre bonitinha… – Lamentou a moça. – Pobre nada! É uma deusa acorrentada, pelos mortais. Ninguém mais a reconhece. Nem mesmo lembra, como se chama. – Disse a menina.
– Afro… Afro… Não é deusa. Não, não é. Fede a homem, fede a homem. Não gosto dela. Não gosto! – Reclamava a idosa, no seu crochê.
– Pobre bonitinha… – Lamentou a moça. – Pobre nada! É uma deusa acorrentada, pelos mortais. Ninguém mais a reconhece. Nem mesmo lembra, como se chama. – Disse a menina.
– Afro… Afro… Não é deusa. Não, não é. Fede a homem, fede a homem. Não gosto dela. Não gosto! – Reclamava a idosa, no seu crochê.
As
três, desapareceram.
A
lufada de vento, invadiu
o quarto. Mais
uma vez, entrou
em combate com as dúvidas.
– Afro… Afro-americana?
– Afro… Afro-americana?
Pausou.
E suspirou.
Estava
vencida.
– Eu não sei quem sou…
– Eu não sei quem sou…
A
TV ligada, conversava
sozinha. Tentou
buscar nela,
uma mínima atenção. Uma chantagem, uma tragédia, qualquer
assunto.
Tudo em vão. Sua birra no ambiente, não trouxe
nenhum
efeito…
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