Ela
estava trinta minutos atrasada, como sempre fazia, nesses
nove
meses de idas e vindas.
Para
passar o tempo, ele acendeu um cigarro. Não achava
graça
em
cigarros, o maço, dava-lhe
um pouco de superioridade fingida. Tragou, a fumaça em círculos,
dançou no ar. Não estava nervoso, no banco sentado,
encostou as costas e as relaxou. Em seguida, cruzou as pernas.
Quis
comprar o jornal de um negrinho magrinho, que passava por ali. Lembrou que não tinha nenhum trocado no bolso. Tragou e soltou a
fumaça.
Avistou-a
vindo, distraidamente, os cabelos soltos, balançavam com seu ritmo. Ele a olhava, seus cinquenta anos, lhe pareciam roubados pelos vinte.
Ele se sentia um velho, mesmo com seus cinquenta e quatro anos, mas
de velho chato
e
rabugento, não possuía nada.
Descruzou
as pernas e o cigarro havia se apagado, alguns minutos antes.
Ela
sentou do lado direito dele, era sempre assim, nesses nove
meses.
Sentava-se em silêncio, com o rosto reto, reparando nos movimentos à
sua frente. Era um lindo ritual que ele admirava e respeitava,
impacientemente, sem interferir.
Não
havia passado na venda para trazer balas de goma. Gostava de
comê-las, enquanto a esperava falar. Preferiu entrar no oceano do
silêncio, calmamente paciente.
Então,
ela finalmente se pronunciou
e ele como de costume, contou os minutos, e se sentiu com pena de
não ter trazido as balas de goma. Isso,
não
importava muito.
–
Como
vai, você? – Ela começava assim, nove
meses,
com a mesma pergunta.
–
Sempre
bem. – E ele respondia com a mesma resposta, sincero, que ela
achava, olhando em seu rosto. Pois
tinha cisma de que encontraria,
um esboço de inverdade.
–
Não
me parece. – Ela disse, examinando-o.
–
Hã?
Como assim?
–
Percebe-se,
que tem algo diferente em você, não sei o que é, mas tem.
–
Bobagem.
Besteira da tua cabeça.
–
Em
nove
meses, as coisas mudam, meu caro. – Ela abriu um sorriso sacana.
–
Acho
que sim, mesmo não acreditando.
– E
como está, Amanda?
–
Muito
bem, estudando muito e encontrando espaço
pra namorar. Precisava
ver como está bonita, puxou a mãe.
–
Ah,
que bom, né? Fico feliz ouvindo isso. – Disse um tanto triste, um
tanto sem graça.
Ele
percebeu o jeito que ela ficou e tentou consertar.
–
Pena
que não trouxe comigo uma foto dela, pra você ver e…
–
Nem
era necessário, só queria saber se estava bem.
Ele
se sentiu mal, que burrada ter puxado o
assunto da
foto, falar da garota. Quem quis saber, foi ela, não tinha como desviar da
conversa. no fim, se desculpou.
–
Perdão.
–
Esquece.
Estou bem.
Ela
ficou calada, numa expressão de rosto vazio, fora do ar, por assim,
dizer. Estava pensando ou sua mente encontrava-se vazia? Quem
imaginaria o que se passava nela?
Ele
pensou em fumar mais um cigarro, mas seria deselegante lançar
fumaça insuportável do
lado de uma mulher. Cruzou
as mãos e a esperou, sem pensar em nada.
–
Queria
andar por aí. – Ela disse, ainda olhando reto para ninguém na
sua direção.
–
Por
aí, onde?
–
Sorveteria,
por exemplo.
–
Sabe
que é impossível. Bem que eu pudesse, como há
alguns anos,
te levar pra qualquer lugar bem bonito.
–
Sim.
Que saudade de sorvete de casquinha…
–
Sabor
misto. Era o que mais gostava.
– E
ainda, gosto. – Riu.
Mais
uma vez, o negrinho magrinho vendendo jornal apareceu, desta vez,
oferecendo.
–
Vai
um jornal aí, moço?
–
Hoje
não, mas obrigado.
E
o negrinho foi andando, anunciando alto uma notícia trágica pra
chamar a atenção das pessoas.
–
Ele
nem sequer, reparou ou me viu. – Disse ela desapontada.
–
Ora,
que besteira. Nunca ligou nesses detalhes. Em todos esses meses.
–
Porque
nunca reclamei, pra não te encher com besteiras, como acabou de
dizer.
Ele
percebeu que ela estava distante, mais triste, não normal, como nas
outras vezes que se viram. Teve dó dela, de não poder fazer nada e
a deixá-la um pouco alegre. De sair, pegar na mão e levá-la num
parque que abriu algumas semanas atrás
no centro da cidade. Sentiu-se
mal, talvez, há alguns anos, se existissem parques ou outras coisas
românticas para casais, eles caminhariam de mãos dadas, pipocas,
refrigerantes, salgadinhos, grama para deitar, brisa tocando seus
rostos e quem sabe, ouvir Vinícius e Toquinho, Jovem Guarda, um
pouco dos Stones. Coisas que adoravam e se combinavam, até nos
olhos, ambos azuis, ambos de céus combinados. Infelizmente, os
tempos eram outro. Ela estava longe dele e ele longe dela. O que
restou ou sobrou, são esses encontros de nove
em nove
meses que nenhum dos dois, tinham coragem de falar que sentira
saudade do outro.
–
Tenho
algo a dizer. – Disse ela, quebrando o silêncio, entre os dois.
–
Diga.
Primeiramente,
ela ficou de frente para ele, numa forma de encará-lo e olhar no
fundo dos olhos dele.
– É
melhor a gente não se vê, nunca mais. – Disse.
Ele
se assustou, mas manteve-se, firme.
–
Mas,
que isso agora?
–
Chega
uma certa parte da vida, que precisamos descansar o passado e deixar
o presente prevalecer.
–
Mas
eu não…
–
Não
querido, não diga nada. Com o tempo,
entenderá.
Temos que nos separar, cada um ficando no seu canto. Que seja assim e
assim, será. – Disse ela alisando de leve o rosto dele.
Ele
virou-se, para olhar um jovem casal com sua menina. Ambos a seguravam
pela mão.
Uma pomba veio pousar no meio da caminhada da bonita família, havia
migalhas de pipoca de alguém que passou comendo por ali. A menina
espantou com seu chute a ave, que saiu voando, indo na direção
de um antigo prédio
abandonado.
O
negrinho magrinho vinha sem os jornais, trazia um
pacote de salgadinhos. Usava um boné que pareceu novo, andava de um
jeito largado, diferente de quando trabalhava, onde a
postura, era mais elegante.
Por
fim, não desejava que ficassem no clima chato que se desenvolveu e
então, ele voltou a falar com ela:
–
Tenho
que dizer algo.
–
Fale.
– Disse ela, prestando atenção nele.
–
Conheci
uma outra mulher, há dois meses e ontem, oficializamos o namoro. Ela
é doze anos mais nova do que eu e não sei, o que dizer…
–
Ah…
que bom. Você merece, meu querido. Merece ser feliz…
–
Amanda
tem me dado apoio, sem ela, acho que não entraria no
relacionamento.
–
Acho
que com essa novidade, desamarramos
o laço dos nossos encontros. – Disse ela convicta.
– Se
é dessa forma que tem que ser… tudo bem.
– E
haveria, outra solução? – Ela levantou e saiu andando.
–
Ei!
Aonde vai? – Disse estranhando a atitude dela.
Ela
parou e olhando para trás, respondeu:
–
Estou
partindo, querido. Sabe que detesto despedidas emocionadas, até
porque, odeio momentos emocionantes. Fique bem, dê um beijo na
Amanda por mim, diz que a amo muito e cuide bem dessa nova pessoa que entrou na tua vida. Adeus, adeus pra nunca mais…
–
Ei,
espera, espera!
Ela
nem quis parar, voltou a andar em passos normais. Ele levantou do
banco num gesto impulsivo, esticando os braços perdidamente e em
vão.
Numa
certa distancia, de encontro as pessoas que vinham do lado oposto,
ela foi desaparecendo e quando se deu por si, não havia mais
vestígios
dela nessa
realidade.
Ele
sentou frustrado. Além disso, era um homem completamente sem rumo.
Então, tudo acabou. Tudo acabou numa forma estranha e vazia. Não
tinha coragem de sair dali, paralisado, chorou por dentro.
Era
quase de noitinha quando
entrou na casa da namorada. Essa, lhe deu um beijo no rosto e pediu
para ele se sentar e se ajeitar no sofá que logo viria
fazer companhia.
–
Preparando
um bolo pra encomenda. – Foi o que ela disse.
Ele
sentou. Observou o filho dela, de dez anos, brincando com seus
bonequinhos no carpete vermelho no meio da sala.
Antes
de chegar, foi
embora do
encontro melancólico,
saiu a andar e ao encontrar a lata de lixo, não pensou duas vezes,
lançou o maço de cigarros dentro e com ele, foi junto o isqueiro.
Andou mais alguns pedaços, até encontrar um ponto de ônibus.
–
Pronto.
Agora, terá minha atenção. – Disse
a namorada,
voltando da cozinha.
A
namorada era loira, rechonchuda, sem
feições
elegantes, cheirava a perfume de supermercado. Os cabelos, com
cachinhos, tinha a cor desbotada que necessitava de uma nova aparência.
Também
pudera, não carecia
de
tempo e hora para o salão de beleza, muito menos, para manicure.
As unhas, nem pareciam de uma dama, eram ásperas,
secas, estragadas com detergentes. E o que tinha de mais importante
para ele, era o sentimento que nutria
nela. Simples, feliz, alegria de menina, que ele não encontrava há
anos. Com ela, a liberdade seria plena.
– O
que fez de bom, hoje? – Ela perguntou, ajeitando a gola da camisa
dele que estava bagunçada.
–
Fui
enterrar o passado.
– Respondeu.
– E
tivera sucesso?
–
Não
sei. Sinceramente não sei. – Respondeu ele, sem jeito.
–
Então,
relaxe. Estou aqui pra cuidar de você.
E
foi lhe fazendo uma espécie de massagem nas costas dele, enquanto o
menino, brincava com um caminhãozinho de plástico num
mundinho só dele.
–
Falou
com Amanda? – Ela perguntou,
ajeitando-se
no peito dele e pegando o controle remoto para mexer na televisão.
–
Ainda
não. Mais tarde, dou um oi e uma boa noite.
Estava
feliz? Sim estava. Agora tinha a oportunidade de realizar o que
deixou ou não fez
no passado. Pipoca, sorvete de casquinha, doces, ouvir Vinícius
e Toquinho. Mãos
dadas e seguras, carinho que ele esqueceu lá atrás,
sorrisos
bobos na cara. Com cinquenta e quatro anos tinha muita coragem de
querer
se sentir jovem, bravo e saudável, disposto a tudo que as divinas
glórias lhe abençoavam.
–
Sábado,
vamos eu, você e Leandrinho no parque novo que abriu. Depois, tomar
sorvete de casquinha. Gosta de qual sabor?
–
Misto.
– Ela respondeu, se ajeitando mais ainda no peito dele.
Ele afagava os cabelos dela, prestando atenção na televisão, enquanto
o menino no seu mundinho particular, era um escritor de grandiosas
estórias.
(Rod.Arcadia)
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