Tinha
os olhos mornos, que ninguém enxergava um defeito sequer, uma
magreza sem tempero, que alguém, tivesse a pachorra e a coragem de
protestar pelos cantos da nossa vila sem nome, perdida nesse Brasil
enorme.
Mas
um dia, um dia qualquer, desses que até o sol, tem preguiça de
acordar, a pobrezinha veio a morrer, de bala no peito,
misteriosamente.
Ela
tinha família, constituída, do pai, da mãe e da irmã, essa, um
tanto deslocada do tempo, pois, fazia seus passarinhos de papel
aquarela. Quando souberam da morte da mocinha, ficaram desorientados,
não escandalosos, um pouco fora do espaço, querendo entender a
razão da tragédia.
Mas,
na vila, pessoa nenhuma, possuía a resposta na ponta da língua, nem
o professor Sabichão, mestre em línguas, das artes filosóficas e
matemáticas, perito em estudar os fluxos da inconsciência coletiva,
conseguira utilizar, seu desbravado intelecto na explicação de
desvendar o assassinato.
Seu
Ditinho, delegado da vila, um cidadão que nem roubo de galinhas,
conseguia solucionar, ficara coçando a cabeça, aquela coceira de
não saber pra que lado correr na investigação. Era homem de
pensamento lento, raciocínio de que necessitava de uma parcela de
ajuda. Por isso, ninguém nutria uma confiança das boas nele.
Pra
complicar, na vila, jamais ocorrera um assassinato. Nem de morte
matada. Defunto mesmo, era de doença, desgosto ou depressão. Se não
fosse assim, ninguém morria não.
Deram
a suspeita ao conquistador Reginaldo, um típico boa pinta, que saia
seduzindo mulheres, até mesmo a do próximo. Bebedor de um bom
uísque importado. Claro, era um vagabundo, pois a grana pra bebida
chique, era doada das tolas carentes que ele seduzia, se vestia a
caráter do Zé Pelintra, gingado de sambista, sem igual.
Lançaram
à suspeita nele, por causa, de que o pegaram há dois dias, de
prosa, bem demorada com a mocinha, encostados num poste, próximo a
igreja.
Ele
confirmou que esteve com ela no dia e no horário que o viram, mas
que a conversa entre os dois, teria sido normal, sem galanteios da
parte dele, achava-a sem sal, miúda ou alguém que os homens, não
haveriam de olhar e nem de se interessar.
E
qual foi a conversa que tiveram? Ora, envergonhado, o garanhão
perguntara, se a coitada, tinha alguma noção de francês, já que o
malandro, estava de olho numa gorda francesa, que se autointitulava,
baronesa, mulher montada em dinheiro, uma cinquentona despachada de
Paris, para o nosso Brasil.
Sem
muitas alternativas, o delegado Ditinho o dispensou, fazendo o gesto
de coçar a cabeça, como se estivesse perdido no meio de uma
multidão de cidade grande.
A
família mandou marcar missa, exigiu sete dias de luto, que o padre
Maneco autorizou, mas o vereador, achou que sete dias de luto, só se
realizava pra gente mais importante ou de cargos mais elevados. E o
padre, com sua calma habitual, explicou que Deus não reconhecia essa
espécie de hierarquia humana, no paraíso todos eram iguais, perante
o Pai. E que nas leis divinas, o inconformado político não metia o
bedelho.
Na
investigação, que não havia, um novo suspeito, apareceu, o Leleco,
um bebum sem rumo e sem beira, andando e caindo em porta de bar, de
longe podia sentir o fedor de cachaça nele, estava nos poros e no
suor. Na delegacia, mal parava em pé, sequer falava coisa com coisa,
talvez foi jogado como um bode expiatório, pois vivia o dia inteiro
mamado de álcool e assim, bêbado, acreditariam que confessaria a
culpa. Sabendo disso, veio as pressas dona Zuleica, criadora e
vendedora de galinha caipira e amante do sujeito, que se nomeou,
advogada de mentirinha do suspeito.
A
dona chegou a tempo de explicar ao delegado Ditinho, que o homem, no
dia do ocorrido, esteve com ela, no horário que ocorreu a tragédia,
saindo quase de madrugada da residência dela. Portanto, não seria
ele o criminoso que falavam.
Mas
aí, houve um alvoroço, entrara na delegacia, um tal de Silvinho, um
afeminado, que lá, pelos lados da capital, se veste de cantora dos
estrangeiros e sai duplando a fulana, nessas casas de meretrizes.
Mas
o que rola, nas bocas do pessoal, é que os dois, Leleco e Silvinho,
nutriam um caso.
Ora,
era um absurdo supor esse fato, porém, que teimavam que existia a
relação, isso teimavam.
Pois
lá chegou o rapaz na delegacia, e dissera, para o delegado, que foi
com ele que o bebum passou o dia e não na dona Zuleica, como a
mulher havia dito.
Ah,
teve penas pra todo lado, era briga da amante e do amante, tapas,
chutes e puxões de cabelos, foi uma tremenda dificuldade separar o
casal brigão, que foram retirados pra fora da delegacia, junto com o
bêbado do Leleco, que mal parava em pé, sendo carregado por um dos
soldados presentes.
O
delegado Ditinho não encontrara outra solução, do que descartar o
conhecido cachaceiro do assassinato e mais uma vez, coçara a cabeça,
sem adivinhar pra qual lado seguiria.
No
sétimo dia, celebraram a missa, como era de praxe, tinham a fé, de
que as almas dos mortos, descansavam no sétimo dia.
Nas
escadarias da igreja, algumas pessoas, vieram consolar a família,
oferecendo força e apoio. Demonstraram-se fora de si, o pai e a mãe,
a filha, por natureza, vivia fora do tempo, por isso, ninguém notou
nada de estranho na garota, porém, não parava de repetir o nome da
irmã, estava agitada, de cabeça baixa, com as mãos trabalhando
invisíveis. E ninguém, imaginou que fosse loucura dela, nem se
assustaram, e nem emitiram repulsa, embora, bem antes da missa
acontecer, ela tenha criado os passarinhos de papel e os libertados
dentro da nave da igreja, com o pessoal, perplexo admirando, o
fenômeno fantástico. Exatamente, uma revoada de passarinhos de
aquarela voaram em cantoria alegre, e numa velocidade, debandaram-se
para bem longe, desaparecendo no desconhecido.
O
delegado Ditinho, também consolou os pais da vítima, meio sem graça
e de voz segura, deu uma falsa esperança, de que o assassino, estava
prestes a ser encontrado. O casal, não emitiu nenhuma palavra, o que
deixou o pobre homem sem jeito, que precisou se despedir e
deslocar-se para seu local de trabalho.
E
após dois meses de lenta e inútil, investigação, e sem nenhuma
prova descoberta válida, era hora de parar. Apareceram culpados e
testemunhas, que somente atrapalhavam, gente amalucada e doida, até
um cidadão, o Zé das Pitangas, que na ousadia maluca dele, dissera,
que a vítima, nunca existiu, que era fruto da nossa humilde
imaginação.
Ora,
não que o velho estivesse falando bobagens, havia certa lógica na
teoria dele, mas, infelizmente, não foi levado a sério, dando a
encerrar o assunto.
E
agindo nessa forma, o caso foi guardado numa gaveta esquecida do
delegado Ditinho.
E
no lar da jovem falecida, escondida no seu quarto bagunçado, a irmã
agitada, não parava de repetir o nome da irmã mais nova. “Clara,
Clarinha.” Os pais pediram-na para que calasse a boca, reclamaram
que trazia tormento para todos. A menina não escutava, presa no
nervosismo e o corpo tremendo, repetia: “Clara, Clarinha, Clara…”
Na
parede, o esboço de um desenho a lápis, aos que alguns afirmaram,
sendo o da irmã mais nova, desenhado pela mais velha, e era uma
riquíssima obra e no meio, no lado do coração, estava escrito:
“Clara.”
Contam
ou deduzem, que a cada noite, na hora de dormir, uma letra do nome
era apagada com a borracha. Restou apenas o desenho, que também ia
se apagando.
E
assim, repetindo, “Clara”, o último risquinho da moça, de olhos
mornos, desapareceu…
(Rod.Arcadia)
Nenhum comentário:
Postar um comentário