quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Isabela














Seu nome era Isabela, mas de bela não tinha nada. Faltava em beleza e ganhava em gentileza.
Morava ela e o pai, o Seu Genaro, que botava homem pra correr. Pobre do velho, que pensava que aqueles que vinham era pra pedir a mão da filha em casamento.
E a moça sonhava em casar, isso é o que segredava para as amigas, todas noivas com seus príncipes de cidade pequena. Namorando da maneira que as mães ensinaram. Isabela não tinha mãe, morreu jovem, quando a menina tinha quatro aninhos. Sabendo que não havia ninguém para ensiná-la, entristecia-se mais ainda.
Um dia na vila apareceu um moço vindo de longe. Não era das proximidades, já que as características não se pareciam com as pessoas dali e de outras localidades. Tinha pele branca, cabelos claros e olhos esverdeados e quando falava o sotaque era diferente.
As moças se encantaram, faziam charmes e tentativas de chamar atenção de tudo, como pratos da região, animais exóticos, perfumes, vestiam a melhor roupa, pensaram em desfazer os noivados. Foi um alvoroço total.
Contaram a novidade para Isabela, mas o pai esperto ouvira das bocas dos compadres do estrangeiro, que se instalou na vila. Ela ficou na dela, sem dar a entender que se interessou.
Ninguém sabia o motivo, as intenções e o que procurava o estrangeiro. Falava pouco e esse pouco não revelava muita coisa. O lado feminino não ligava, o importante era na beleza do homem, uma beleza natural.
É claro que Isabela teve interesse, de tanto as mulheres falarem. Não atrairia nenhum interesse no fulano. Negou se lamentar, reconhecia que era páreo perdido.
As tentativas de conquista não resultaram em sucesso, o que deixaram as mocinhas inconformadas do desprezo do príncipe.
Num determinado dia, Isabela e o pai foram as compras. Os mantimentos estavam nas últimas e precisava de reposição.
Foi aí que Isabela viu pela primeira vez o estrangeiro do outro lado. Reconheceu, não tinha como não adivinhar. Rapaz branco, cabelos loiros, alto e magro.
O pai também viu, preferiu o silêncio, nem reclamou. Isabela temeu, imaginou que estivesse sido flagrada olhando o estranho.
Quando o rapaz a visualizou, paralisou e desorientado, sem saber da direção que queria prosseguir. De certa forma, a donzela lhe tirou a atenção. Seria falta da beleza?
As amigas tinham razão. Que belo homem! Pensou. Só que não possuía tempo para pensar e Seu Genaro não acharia bom.
Estava tarde da noite, ela e o pai ouviam notícias no rádio quando escutaram batidas na porta.
Quem será uma hora dessas? – Perguntou Seu Genaro.
Vou ver.
Isabela levantou, destrancou a porta e abriu. Parado na frente o moço que veio de outro lugar. Que surpresa.
Quem é? – Perguntou o pai.
É o estrangeiro. – Disse Isabela.
Quem?
Rapidamente Seu Genaro levantou com cara azeda e feia e foi logo demonstrando que quem mandava ali era ele.
O que quer? Não nada nesta casa. Volte de onde saiu!
E o rapaz, um tanto embaraçado, explicou no seu sotaque.
Me desculpar. Não desejar aborrecimento. Eu garantir. Eu vier de muito longe por um incrível motivo. Vim procurar moça Isabela.
O quê! Com se atreve a falar assim comigo? Minha filha não é interesse de ninguém. Se retire, vamos, se retire, antes que sobra chumbo nessa magreza.
Eu explicar. O senhor compreenderá.
Compreendo. Compreendo que ela não está pra noivar. Tome o rumo e encontre outra pessoa.
Não entender a mim. Não querer
Por favor, é melhor ir. – Disse Isabela com dó do estrangeiro.
Ok. Eu irei. Me desculpar. Adeus.
Isabela observou-o indo embora, andava devagar, com as mãos nos bolsos da calça e cabisbaixo. Como teve dó dele…
Feche a porta, Isabela!
E fechou. Havia algum fato que o estranho queria dizer. Se entristeceu.
Os dias passaram, a vida continuava naquela rotina. Nisso, casais que chegaram a noivar desmancharam noivados e namoros. Rapazes foram melhorar de vida em terras novas. As meninas em curtir mais a vida, afinal, são muito novas pra se prenderem num casamento.
O que realmente modificou era a maneira de verem Isabela, tudo por causa do moço. E o que queria, sabendo que de nada chamava atenção nela? As amizades se romperam, pois pra elas, a companheira sem saber, roubou o famoso pretendente.
Sem sucesso, argumentou de que não existia nada entre ela e o rapaz. Caçoaram, alegando que se fazia de desentendida e que carregava esperteza. Se faltava beleza, restava ao menos a desculpa da inteligência.
Isabela se isolou. Se isolou do mundo.
Seu Genaro, assistindo a amargura da filha, não pensou duas vezes, pegou a espingarda e foi atrás do culpado. Infelizmente ou felizmente não o encontrou. Partira bem cedo, na manhã antes do sol apontar no bico do morro, entrou no barco pra nunca mais retornar.
Meses e semanas se foram e o estado de Isabela piorou. Viera o medico e não adiantou, cada dia, a amargura tirava um pedaço de vida da pobrezinha.
Isabela não resistiu muito tempo. Tristeza do Seu Genaro. A vila abalada.
Velaram o corpo na casa do Seu Genaro. Deram banho no corpo, vestiram-na com o vestido que usava nos dias de eventos, fizeram um lindo rabo de cavalo, o cabelo liso e clareado chegava quase nas nádegas. Só choradeira das amigas arrependidas, o coitado do pai se lamentava, que pena ver o homem sofrendo.
No terceiro dia. Sim, terceiro, pra velar os mortos durava três dias, isso pra que ninguém tivesse desculpa de que não conseguiu tempo para ver o falecido.
Chegado o período, o corpo levado e preparado para colocá-lo no caixão e conduzido ao cemitério.
Eis que emocionados pelo momento ou nem perceberam, o corpo começou a brilhar, um brilho azul-celeste. A luz muito forte, não havia como não notar.
– Olha, olhem pra ela! – Disse alguém.
E perplexos, olharam surpresos. Até o pai, com os olhos incrédulos, desacreditado no que acontecia.
O brilho consumiu a moça. Aquilo foi demais para Seu Genaro, foi um grito de desespero, piedade,  para alguns, medo, loucura, correram, se debandaram.
Ainda não havia terminado. E quem permaneceu, contou aos que vieram depois.
Pergunte a qualquer, um que estava no dia e responderá:
– É verdade. Vi com meus próprios olhos. A moça, a filha do Seu Genaro, se transformou numa revoada de passarinhos azuis.
Quem presenciou acreditou. O corpo transmutado de passarinhos azuis. Eram muitos. E correram para desvendar a direção das aves. Seu Genaro ficou. Agradeceu que a filha estava bem. Sentou e rezou uma Ave-maria e não desistiu de chorar.
Os pássaros seguiram no horizonte, desaparecendo no infinito.
Isabela. De bela não tinha nada. E quem se importava?

(Rod. Arcadia)