quinta-feira, 10 de abril de 2014

Desatando Laços







Ela estava trinta minutos atrasada, como sempre fazia, nesses nove meses de idas e vindas.
Para passar o tempo, ele acendeu um cigarro. Não achava graça em cigarros, o maço, dava-lhe um pouco de superioridade fingida. Tragou, a fumaça em círculos, dançou no ar. Não estava nervoso, no banco sentado, encostou as costas e as relaxou. Em seguida, cruzou as pernas.
Quis comprar o jornal de um negrinho magrinho, que passava por ali. Lembrou que não tinha nenhum trocado no bolso. Tragou e soltou a fumaça.
Avistou-a vindo, distraidamente, os cabelos soltos, balançavam com seu ritmo. Ele a olhava, seus cinquenta anos, lhe pareciam roubados pelos vinte. Ele se sentia um velho, mesmo com seus cinquenta e quatro anos, mas de velho chato e rabugento, não possuía nada.
Descruzou as pernas e o cigarro havia se apagado, alguns minutos antes.
Ela sentou do lado direito dele, era sempre assim, nesses nove meses. Sentava-se em silêncio, com o rosto reto, reparando nos movimentos à sua frente. Era um lindo ritual que ele admirava e respeitava, impacientemente, sem interferir.
Não havia passado na venda para trazer balas de goma. Gostava de comê-las, enquanto a esperava falar. Preferiu entrar no oceano do silêncio, calmamente paciente.
Então, ela finalmente se pronunciou e ele como de costume, contou os minutos, e se sentiu com pena de não ter trazido as balas de goma. Isso, não importava muito.
– Como vai, você? – Ela começava assim, nove meses, com a mesma pergunta.
– Sempre bem. – E ele respondia com a mesma resposta, sincero, que ela achava, olhando em seu rosto. Pois tinha cisma de que encontraria, um esboço de inverdade.
– Não me parece. – Ela disse, examinando-o.
– Hã? Como assim?
– Percebe-se, que tem algo diferente em você, não sei o que é, mas tem.
– Bobagem. Besteira da tua cabeça.
– Em nove meses, as coisas mudam, meu caro. – Ela abriu um sorriso sacana.
– Acho que sim, mesmo não acreditando.
– E como está, Amanda?
– Muito bem, estudando muito e encontrando espaço pra namorar. Precisava ver como está bonita, puxou a mãe.
– Ah, que bom, né? Fico feliz ouvindo isso. – Disse um tanto triste, um tanto sem graça.
Ele percebeu o jeito que ela ficou e tentou consertar.
– Pena que não trouxe comigo uma foto dela, pra você ver e…
– Nem era necessário, só queria saber se estava bem.
Ele se sentiu mal, que burrada ter puxado o assunto da foto, falar da garota. Quem quis saber, foi ela, não tinha como desviar da conversa. no fim, se desculpou.
– Perdão.
– Esquece. Estou bem.
Ela ficou calada, numa expressão de rosto vazio, fora do ar, por assim, dizer. Estava pensando ou sua mente encontrava-se vazia? Quem imaginaria o que se passava nela?
Ele pensou em fumar mais um cigarro, mas seria deselegante lançar fumaça insuportável do lado de uma mulher. Cruzou as mãos e a esperou, sem pensar em nada.
– Queria andar por aí. – Ela disse, ainda olhando reto para ninguém na sua direção.
– Por aí, onde?
– Sorveteria, por exemplo.
– Sabe que é impossível. Bem que eu pudesse, como há alguns anos, te levar pra qualquer lugar bem bonito.
– Sim. Que saudade de sorvete de casquinha…
– Sabor misto. Era o que mais gostava.
– E ainda, gosto. – Riu.
Mais uma vez, o negrinho magrinho vendendo jornal apareceu, desta vez, oferecendo.
– Vai um jornal aí, moço?
– Hoje não, mas obrigado.
E o negrinho foi andando, anunciando alto uma notícia trágica pra chamar a atenção das pessoas.
– Ele nem sequer, reparou ou me viu. – Disse ela desapontada.
– Ora, que besteira. Nunca ligou nesses detalhes. Em todos esses meses.
– Porque nunca reclamei, pra não te encher com besteiras, como acabou de dizer.
Ele percebeu que ela estava distante, mais triste, não normal, como nas outras vezes que se viram. Teve dó dela, de não poder fazer nada e a deixá-la um pouco alegre. De sair, pegar na mão e levá-la num parque que abriu algumas semanas atrás no centro da cidade. Sentiu-se mal, talvez, há alguns anos, se existissem parques ou outras coisas românticas para casais, eles caminhariam de mãos dadas, pipocas, refrigerantes, salgadinhos, grama para deitar, brisa tocando seus rostos e quem sabe, ouvir Vinícius e Toquinho, Jovem Guarda, um pouco dos Stones. Coisas que adoravam e se combinavam, até nos olhos, ambos azuis, ambos de céus combinados. Infelizmente, os tempos eram outro. Ela estava longe dele e ele longe dela. O que restou ou sobrou, são esses encontros de nove em nove meses que nenhum dos dois, tinham coragem de falar que sentira saudade do outro.
– Tenho algo a dizer. – Disse ela, quebrando o silêncio, entre os dois.
– Diga.
Primeiramente, ela ficou de frente para ele, numa forma de encará-lo e olhar no fundo dos olhos dele.
– É melhor a gente não se vê, nunca mais. – Disse.
Ele se assustou, mas manteve-se, firme.
– Mas, que isso agora?
– Chega uma certa parte da vida, que precisamos descansar o passado e deixar o presente prevalecer.
– Mas eu não…
– Não querido, não diga nada. Com o tempo, entenderá. Temos que nos separar, cada um ficando no seu canto. Que seja assim e assim, será. – Disse ela alisando de leve o rosto dele.
Ele virou-se, para olhar um jovem casal com sua menina. Ambos a seguravam pela mão. Uma pomba veio pousar no meio da caminhada da bonita família, havia migalhas de pipoca de alguém que passou comendo por ali. A menina espantou com seu chute a ave, que saiu voando, indo na direção de um antigo prédio abandonado.
O negrinho magrinho vinha sem os jornais, trazia um pacote de salgadinhos. Usava um boné que pareceu novo, andava de um jeito largado, diferente de quando trabalhava, onde a postura, era mais elegante.
Por fim, não desejava que ficassem no clima chato que se desenvolveu e então, ele voltou a falar com ela:
– Tenho que dizer algo.
– Fale. – Disse ela, prestando atenção nele.
– Conheci uma outra mulher, há dois meses e ontem, oficializamos o namoro. Ela é doze anos mais nova do que eu e não sei, o que dizer…
– Ah… que bom. Você merece, meu querido. Merece ser feliz…
– Amanda tem me dado apoio, sem ela, acho que não entraria no relacionamento.
– Acho que com essa novidade, desamarramos o laço dos nossos encontros. – Disse ela convicta.
– Se é dessa forma que tem que ser… tudo bem.
– E haveria, outra solução? – Ela levantou e saiu andando.
– Ei! Aonde vai? – Disse estranhando a atitude dela.
Ela parou e olhando para trás, respondeu:
– Estou partindo, querido. Sabe que detesto despedidas emocionadas, até porque, odeio momentos emocionantes. Fique bem, dê um beijo na Amanda por mim, diz que a amo muito e cuide bem dessa nova pessoa que entrou na tua vida. Adeus, adeus pra nunca mais…
– Ei, espera, espera!
Ela nem quis parar, voltou a andar em passos normais. Ele levantou do banco num gesto impulsivo, esticando os braços perdidamente e em vão.
Numa certa distancia, de encontro as pessoas que vinham do lado oposto, ela foi desaparecendo e quando se deu por si, não havia mais vestígios dela nessa realidade.
Ele sentou frustrado. Além disso, era um homem completamente sem rumo. Então, tudo acabou. Tudo acabou numa forma estranha e vazia. Não tinha coragem de sair dali, paralisado, chorou por dentro.


Era quase de noitinha quando entrou na casa da namorada. Essa, lhe deu um beijo no rosto e pediu para ele se sentar e se ajeitar no sofá que logo viria fazer companhia.
– Preparando um bolo pra encomenda. – Foi o que ela disse.
Ele sentou. Observou o filho dela, de dez anos, brincando com seus bonequinhos no carpete vermelho no meio da sala.
Antes de chegar, foi embora do encontro melancólico, saiu a andar e ao encontrar a lata de lixo, não pensou duas vezes, lançou o maço de cigarros dentro e com ele, foi junto o isqueiro. Andou mais alguns pedaços, até encontrar um ponto de ônibus.
– Pronto. Agora, terá minha atenção. – Disse a namorada, voltando da cozinha.
A namorada era loira, rechonchuda, sem feições elegantes, cheirava a perfume de supermercado. Os cabelos, com cachinhos, tinha a cor desbotada que necessitava de uma nova aparência. Também pudera, não carecia de tempo e hora para o salão de beleza, muito menos, para manicure. As unhas, nem pareciam de uma dama, eram ásperas, secas, estragadas com detergentes. E o que tinha de mais importante para ele, era o sentimento que nutria nela. Simples, feliz, alegria de menina, que ele não encontrava há anos. Com ela, a liberdade seria plena.
– O que fez de bom, hoje? – Ela perguntou, ajeitando a gola da camisa dele que estava bagunçada.
– Fui enterrar o passado. – Respondeu.
– E tivera sucesso?
– Não sei. Sinceramente não sei. – Respondeu ele, sem jeito.
– Então, relaxe. Estou aqui pra cuidar de você.
E foi lhe fazendo uma espécie de massagem nas costas dele, enquanto o menino, brincava com um caminhãozinho de plástico num mundinho só dele.
– Falou com Amanda? – Ela perguntou, ajeitando-se no peito dele e pegando o controle remoto para mexer na televisão.
– Ainda não. Mais tarde, dou um oi e uma boa noite.
Estava feliz? Sim estava. Agora tinha a oportunidade de realizar o que deixou ou não fez no passado. Pipoca, sorvete de casquinha, doces, ouvir Vinícius e Toquinho. Mãos dadas e seguras, carinho que ele esqueceu lá atrás, sorrisos bobos na cara. Com cinquenta e quatro anos tinha muita coragem de querer se sentir jovem, bravo e saudável, disposto a tudo que as divinas glórias lhe abençoavam.
– Sábado, vamos eu, você e Leandrinho no parque novo que abriu. Depois, tomar sorvete de casquinha. Gosta de qual sabor?
– Misto. – Ela respondeu, se ajeitando mais ainda no peito dele.
Ele afagava os cabelos dela, prestando atenção na televisão, enquanto o menino no seu mundinho particular, era um escritor de grandiosas estórias.


(Rod.Arcadia)

























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