segunda-feira, 7 de abril de 2014

Vingança Perdida






Se eu estivesse morto, não estaria aqui para contar, o que me ocorreu, no outono de 1876.


Deveria ter levado um diário, porém, penso que, nem descreveria, nenhuma linha ou cena, do perigo que estava ocorrendo.


Por insistência de meu pai, um conhecido bancário da baixada Fluminense, ganhei uma passagem de presente, para cruzar o oceano, navegando nas terras britânicas.


Naquela época, eu era um jovem de vinte e três anos, magro e havia prestado pós-graduação em advocacia.


Se eu tivesse previsto, jamais colocaria meus pés no Perola Negra. Levava vinte tripulantes, e eu era o único passageiro, a bordo. O Perola Negra, era um navio cargueiro e não de passageiros. Meu pai teve que subornar, para me embarcar dentro dele.


O navio transportava carregamento, mas os ajudantes, negaram-me a dizer, no que se tratava.


Lembro-me do fraco sol que brilhava no dia. O Perola navegava num excelente ritmo, fiquei olhando minha terra se perdendo no horizonte.
Nossa viagem demoraria dias, e isso me deixou nervoso. Não gostava do mar, do barulho das ondas, sentia um nervosismo ao estar dentro, de qualquer embarcação.


Na cabine, contraí uma incrível dor de cabeça, em cada canto, vômitos foram expelidos, o estômago, parecia um papel embrulhado. Fiquei três dias febril e atacado por pesadelos.
No quinto dia, acordei um pouco melhor, e do lado de fora, escutava as ordens da capitã Fowler, uma inglesa amante do mar. Abri a porta da cabine e dei de cara com ela. Pelo menos, não era uma mulher medonha, tinha um sorriso brilhante, longos cabelos e uma pele avermelhada pelo sol, carregava um poder de valentia, que era difícil de perceber, numa mulher. Lembro da sua voz, quando falou comigo, pela primeira vez.


Ah! O nosso garoto, acordou. Seu pai nos deu um bom dinheiro… Não quero que morra dentro da minha, Perola Negra.
Estou bem, capitã Fowler. Não sou lá, um grande admirador do mar, confesso.
Siga-me. Você precisa se alimentar.
Ela me levou para uma cabine espaçosa, havia uma mesa de carvalho no meio, cheio de coisas fartas para beber e comer. Encheu uma caneca de vinho e um pedaço de pão e passou-me.


Irá fazer bem. – Disse ela. Você vomitou e teve febre. Tinha alucinações e delirava muito. – A senhorita, ouviu?
– E quem não ouviria, garoto? Não queria colocá-lo no navio, mas não gosto de perder um bom dinheiro, fugindo das minhas mãos. Sinta-se em casa. Agora os sintomas terminaram, seu corpo se adaptou.


Nos dias seguintes, encontrava-me melhor, já podia sair e olhar o mar. Havia feito amizade com a capitã, que não parava de dar ordens, aos seus homens.


Foi no vigésimo dia, quando o sol refletia na água, e o Perola navegava no horizonte e perigoso oceano, que a escutei dizer algo. Se pudesse, daria tudo para não saber daquilo. Se meu medo estava retraído, nesta hora, ele não me deixaria, nunca mais.


Senhor Alvarez, acredita em demônios do mar?
Capitã Fowler, posso ter medo do mar, mas não acredito em lendas.
Você não conhece nada, não presenciou, nem ouviu falar das embarcações, atacadas por ele. Eu era uma menina de doze anos, meu pai e meu tio, eram ajudantes de um grande cargueiro, eles teriam que navegar até as Índias, infelizmente seus destinos não foram completados. Uma criatura maldita atacou o cargueiro e matou vinte, dos cinquenta e seis homens. Meu pai e meu tio, foram os que pereceram na tragédia. Aqueles que sobreviveram, jamais voltaram a normalidade ou quiseram navegar novamente. Além disso, oitenta embarcações desapareceram na mesma região que o cargueiro. Há dezessete anos, o Dr. William estudou sobre este monstro, e construiu um equipado navio, entretanto, os homens que estavam ao seu lado, acovardaram-se ao presenciar o demônio. O Dr. William morreu em vão, porém, todos os consideravam insano, um louco em acreditar numa história de monstros. Eles noticiaram, que uma frota pirata navegava nessa região, e que seria a causa dos desaparecimentos e mortes, abafando o medo das pessoas. Uma mentira. Ao completar dezessete anos, li os artigos do doutor e abracei sua vontade. Aprendi os segredos marítimos, consegui recurso e ajuda, para construir minha própria embarcação e no esforço, tornei-me capitã.
Capitã, me desculpe, deve estar doente… Estamos indo para Londres.
Sr. Alvarez… É o senhor, que está doente, não ouviu, minha história? Não estamos navegando para as terras britânicas, mas para algum lugar das Índias!
Nesta hora, meu coração disparou, eu queria acreditar na mentira, entretanto seus olhos castanhos, diziam a verdade. Teimoso, insistia na minha certeza.


Não! Meu pai colocou-me aqui, por confiar em você, matará sua confiança?
Ele confiou em mim e é isso que estou honrando. Você será ótimo, para minha causa. Mas, se quiser fugir do inevitável… Pule nas águas ou aceite, ajudar-me.
Não aceitarei compactuar, numa vingança insana!
Não há como negar, não há como fugir.
E seus homens? Não tem pena deles?
Sim…. Eles aceitaram navegar comigo, seus familiares pereceram, pelo mesmo motivo. Todos nós, buscamos vingança.
Vocês são loucos, loucos!
Corri dali, e tranquei-me, em minha cabine. Eu estava dentro de um navio de malucos! O que poderia fazer? Para todos os lados, em que se encontrava, só havia água. Não conseguiria negar o destino, e naquele momento, tudo voltou, o enjoo, a dor de cabeça e o medo, voltaram feito um raio. Acredito que Fowler, apareceu, para cuidar de mim.


Mesmo doente, ainda sentia a pele dela, ao me tocar e o seu cheiro também, tão destacado, que transmitia tranquilidade. Se bem, que, ela não deixaria ninguém morrer, antes de completar, sua vingança.


E esse dia, chegou. Se pudesse parar o tempo ou mudar o futuro, saberia o que escolher para minha vida. Naquele dia, acordei com o som de vozes, e suspeitei que o inferno começaria.


Capitã! Ao noroeste, algo não identificado está se dirigindo para cá! – Disse um ajudante.
Deve ser ele. Reúna os homens em suas posições, quero canhões preparados! – Ordenou a capitã.
Capitã, está chovendo!
Sim…Uma forte chuva, atacou-nos. Saí da cabine sentindo as gotas caírem nos trajes, que eu estava vestindo. Tive que me esforçar, para chegar, até Fowler, e o vento, estava fortíssimo. Seus homens, andavam em marcha lenta, ouvia-se as ondas baterem no casco da Perola Negra.


A natureza, queria nos culpar. Trovões explodiam no céu escuro, o agitado oceano, gritava e o vento assobiava, sem melodia.


Ele está vindo, posso senti-lo…
Capitã, não existe monstro nenhum… Nós e seus homens, morreremos, se ficarmos aqui!
Nesta hora, poderia ter certeza, de que ela, estava possessa. Nada mudaria seu desejo, mesmo com a chuva caindo, jamais desistiria da sua missão.


Não quero que o perca de vista! – Ela disse.
Capitã, a chuva atrapalha, a nossa visualização. Não há como determinar, em qual direção, a criatura, tomou! – Disse um dos ajudantes.
Mesmo assim, permaneçam atentos. Porém, com essa chuva, teremos êxito. Sr. Alvarez, fique com o revolver.
Peguei-o da mão dela, e senti o pesado metal. Se a criatura existia, a arma em minha mão, de nada valeria. – Pensei.


A chuva castigava nossos corpos, e os trovões ardiam em nossos ouvidos. Se eu pudesse prever, adivinharia o raio caindo no Perola.
Sim! O raio, desabando no Perola Negra.
Os que receberam, o maior impacto, voaram por água abaixo, alguns ficaram gravemente feridos. Fowler e eu, caímos fortemente no chão. Recebi o maior choque, batendo a cabeça…


O que deveria terminar, naquele momento, seria o prelúdio, para o terror, que estava começando.


Um tripulante arrastava-se com dificuldade, outro tentava, se reerguer. Fowler possuía uma grande força, levantando-se rapidamente. Então ouviram-se, um grito desesperado.


Algo agarrou a perna de um dos homens, e o ergueu pra cima. Todos olharam hipnotizados para a cena, e eu permanecia deitado, sem reação. Outras pernas, foram agarradas. Eles gritavam histericamente, pedindo auxilio, em seguida, arremessados, como ratos ao mar.


É ele! É ele! É ele! – Gritou Fowler.
O navio, pouco a pouco, ia-se inundando de água. Eu permanecia deitado, e foi neste momento, que o horror apareceu.


Ele era visto a olhos nus, e agarrou mais alguns ajudantes, jogando-os no oceano. Nisso, usou um dos tentáculos, no solo da embarcação, impedindo que os homens da capitã, chegassem aos canhões. Alguns voaram para baixo, outros morreram dentro do Perola Negra.


O terror? O terror, possuía pele musgosa e grotesca, cor esverdeada, olhos amarelados e vinte tentáculos, que abraçaram o Perola Negra, como se fosse, sua amante.

Apavorados, os homens pulavam para fugirem da loucura e do pesadelo, e à chuva não cessava, com a embarcação, sendo dominada pela água.


Os tentáculos, arrancavam enormes cascos e calculei que, naquele momento, o Perola Negra afundaria.


Fowler, correu como uma insana, armada de um punhal, gritando. Tentei impedir, mas faltaram forças, e um tentáculo, jogou-a longe. Não havia mais esperanças…


O Perola Negra ia morrendo, e os tentáculos, iam avançando e destruindo tudo que restou, do condenado navio.


Desequilibrado, levantei-me, e consumido pela loucura, descarreguei o revolver na monstruosidade.
Sangue verde jorrou da criatura, acertando meu rosto, mas incrivelmente, a sua pele se regenerava rapidamente. Os tentáculos voltaram a avançar, e não havia uma solução que resolvesse, tentei morrer, porém, algo tocou meu coração, fazendo-me pular no perigoso e agitado mar.
Tive que lutar contra as águas, e as ondas, eram violentas e jogavam-me para as profundezas, fazendo-me engolir, uma enorme quantidade de água salgada.


Lutei como nunca tivesse lutado antes, para fugir da loucura, do horror, do grotesco, do monstro! Imaginei que a criatura estivesse atrás de mim, e eu lutava contra as águas, para escapar o mais distante dali. Entretanto, avistei algo, pensei que fosse um dos homens da capitã Fowler, boiando morto, então nadei ao seu encontro. Nem acreditei na sorte, era um bote, pequeno, talvez, estivesse escapado das cordas do Perola Negra. Seria obra de alguma divindade?
Como se fosse um presente, mergulhei nele e o agarrei firme, as ondas jogavam-no longe. A chuva despejava-se, furiosa, sentia frio, os dentes tremiam, porém, estava livre da morte.
Queria esquecer o horror, queria esquecer aquilo e adormecer


Foi num casamento, que contei esta medonha história. Também relataria, como fui salvo por uma tribo de pescadores, mas contarei no outro dia, mais descansado.


Entretanto, sei que o demônio, está lá esperando… esperando…
(Rod.Arcadia)














Nenhum comentário:

Postar um comentário