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Bate
uma vontade de entregar a vida. Após sessenta e seis anos pensar na
entrega é válido. Um motivo concreto é o tanto de passagens que
ocorreu nos anos. Foram muitas, boas, dolorosas, tempestades e
calmarias. O cabelo ralo com cheiro de talco sabe. O cabelo não
nega, nunca negou. Nem o resto do corpo, que com o convívio se
aposentou. O corpo sabe, é hora de se entregar.
Não
seria se entregar à morte? Morrer, falecer, bater as botas, ir pra
um lugar melhor? Tanta faz! Pra alguém na idade encontrar um nome
adequado não teria mais importância. Sim, com certeza, não havia
importância. Até suas botas de sargento concordava num mero
devaneio descontraído. Aposentadas também estão às botas.
Lustradas, limpas e cheirosas. Não há chulé, ah não! Sabe cuidar
delas tão bem, mais que os outros pertences que ficavam com ciúmes.
Levanta
muito cedo. Tão cedo que a escuridão ainda domina a cidade. Sentado
na cama, olha a parede, escuta o próprio respirar e assiste as
danças das últimas mariposas na lâmpada. Logo no clarear do dia
voltam pra suas casas para descansar. Acorda cedo, não quer
encontrar o sono, não encontraria sono nenhum. Hora certa pra pensar
na própria morte. Tão cedo assim?
Liga
o aparelho de som, estação de rádio. “Num fio de cabelo no meu
paletó.” * Troca. Revira pra cima e pra baixo o botão do
aparelho, só dão notícias trágicas. “Moça jovem é encontrada
no matagal. Indícios de violência sexual” “Assaltantes invadem
casa de bairro de classe média e fazem vítima.” “Ciclone arrasa
a região norte dos Estados Unidos.” Desliga. Distrai fazendo
café.
O
dia clareia. Pensar em morrer tira o pouco de vontade de beber café.
Bebe na marra, sem pão, sem bolo e sem nada. Gosta desse jeito, sem
digerir nada cedo. Guarda para o almoço. Disseram que não era
saudável esperar até o almoço pra começar a digerir. Não é
homem de obedecer a conselhos bobos e baboseiras. Gosta de mandar e
não de obedecer. Foi sargento, tem no sangue o lado mandão de
comandar. Velho de guerra enferrujado.
Arruma
a cama. Como é organizado faz tudo direitinho. Dobra o cobertor e
enfia junto com o travesseiro no guarda-roupa. Não há hora mais
correta pra pensar em deixar a vida. Pega a toalha, entra debaixo do
chuveiro, pensa, pensa e pensa. Não tinha preparado o plano da
própria morte. Não necessita de planos. Pra ele, ex-sargento,
sessenta e seis anos, descarta planos no momento. E como seria e como
deveria ser?
Lembra-se
do veneno de rato. Pois dias desses por abuso uma dessas criaturinhas
invadiu seu quartinho. Era rato enorme, de assustar qualquer cidadão.
Sem amedrontar do pequeno e nojento bicho trouxe do mercado o veneno.
Espalhou pra todo canto, debaixo das velhacarias, buracos e frestas.
Procurou o bendito, não estava em nenhum lugar. Pra onde teria ido?
O rato roubou? Depois que colocara não sentiu mais a presença do
roedor, que safado levou o veneno junto. Foi ai que se lembra da
vizinha de porta, a dona Nice.
– Ah,
poderia me emprestar pra botar lá em casa? Estou ouvindo barulhos
estranhos de noite.
–
Posso sim, dona Nice.
E
emprestou pra vizinha e por lá ficou. Não lembrava, pois a
preocupação com o rato havia terminado. Esqueceu e precisava do
objeto, necessário pra realizar a vontade de...
Busca
desculpa pra chegar à vizinha e pedir de volta. Mas é dele, não
necessita de desculpa pra obter o próprio objeto.
A
vizinha dona Nice esquecida pela família. Contava que teve o único
filho levado, preso e desaparecido pela ditadura. Nunca mais o
encontrou. Sozinha, não conseguiu apoio, veio parar na vila, no
aluguel do quartinho, muito antes do ex-sargento, prevê qualquer
coisa de errado, farejadora de problemas alheios. Prestativa, nunca
recusou ajuda, pronta pra ajudar qualquer pessoa, conhecida ou
desconhecida.
Não
é difícil pedir de volta. Teria que aguardar até ela acordar e
abrir a porta. Saia pra padaria buscar pão e leite para o café e
assim falaria:
– Bom
dia, dona Nice. Poderia por favor, devolver-me o veneno de rato que
emprestei semanas atrás pra senhora? Preciso urgentemente.
– O
bicho entrou de novo no quarto?
– Não,
não. Não é pra isso que eu quero.
– Hum,
se não há mais nada pra que precisa?
– Bom,
dona Nice, o que emprestei é meu, então tenho o direito de pegá-lo
e quero porque decidi entregar minha vida.
– O
quê! Entregar a vida?
–
Morrer, ingerir o veneno e morrer, senhora.
–
Cruzes! Que brincadeira mais besta! Depois de velho
virou piadista? Não fale em morrer, faz lembrar meu filho que a
ditadura assassinou.
A
conversa cairia no assunto do filho. Se aparecia um caso de morte na
conversa lá vinha com o papo. Cheirava a provocação, sabe que o
vizinho foi sargento na época da ditadura. Sempre pronta pra
disparar indireta e provocação.
Ah,
não tem como evitar a conversa e não tem como arrumar a desculpa da
morte. Deixa pra lá.
Algum
tempo a senhora abre a porta. Ele rapidamente sai num gesto de
motivo.
– Ah,
olá, senhor. Bom dia!
– Bom
dia, dona Nice. Indo na padaria?
– Ah,
não. Levantei pra visitar uma senhorinha doente que mora ao redor da
praça.
–
Coitadinha... O que ela tem?
–
Diabete. E a família pede qualquer ajuda, não tem
tempo pra ficar com a senhorinha o dia inteiro.
– É
complicado...
– É
sim. Ah, desculpa, tive que emprestar o seu veneno pra dona Carminha.
Encontrou uma baita ratazana dentro de casa. Cruzes, que horror,
arrepia.
– Não
tem problema, dona Nice. Não escutei mais o barulho à noite.
– Que
bom. Eu também não. Tenho que ir, adeus.
–
Adeus, senhora.
Vê
a mulher abrir o portãozinho e ganhar à calçada. Entra pra dentro
e senta na cama. O objeto que usaria para morrer está longe. Bem,
nem muito longe. Seis casas antes da dele. O ruim é que não tem
amizade e papo com a pessoa. O máximo que tem é uma prosa curta e
rápida. O que quer encontra com ela, é só caminhar até lá, bater
palmas e pedir o veneno. Simples, sem nenhuma dificuldade.
Troca
de camisa, uma branca que comprou um mês atrás. Sai. De encontro
outra vizinha chegando. Essa mais nova, negra, trabalha no período
noturno. Hoje veio tarde do serviço, ele não liga, tem seus
problemas. Cumprimenta e vai pra rua.
Anda
logo, perde tempo. Até porque morreria e deseja o mais rápido que
puder, com sessenta e seis anos havia esperado muita coisa na vida,
agora pra morte, quer um ato rápido e sem dor.
Dona
Carminha estranha parado no portão. O dia mal tinha começado e é
obrigada a atendê-lo.
– Pois
não?
– Bom
dia, dona Carminha. A dona Nice informou que a senhora pegou
emprestado um veneno de rato.
– Foi
sim, dias atrás. É do senhor, não é?
– Sim.
Vim até aqui pra que me devolva, necessito urgentemente.
– Ah,
não está mais comigo... Desculpa. Minha sobrinha que mora quatro
quadras daqui levou. O sem vergonha do marido não ajuda em nada à
pobrezinha, é um peste, um vagabundo!
–
Ah...
–
Posso ligar e pedir para que traga de volta.
– Sem
problemas, dona Carminha. Não é preciso tomar o tempo da sua
sobrinha. Obrigado, tenha um excelente dia.
– O
senhor também. Obrigada.
Por
dentro está furo da vida. Maldita hora que emprestou o negocio pra
outra pessoa. Agora nem morrer tem o direito. Adiar a morte por culpa
dos outros. Ah, mas no mercado com certeza teria sucesso.
Não
saia sem a carteira e segue para o mercado que não é longe. Que
tolice ter feito o que fez, era só retornar no mercado e pedir um
novo veneno pra ratos. Ai terá sua morte em breve.
– Ah,
por favor. Gostaria do veneno de rato outra vez.
–
Lamento, senhor. Não sei que há no bairro. Parece que
surgiu uma epidemia de roedores e nisso acabou meu estoque. Estou
preocupado, o senhor é a décima pessoa a fazer pedido.
– Não
há mais?
–
Exato. Com a epidemia, veio gente procurar o produto.
Estou perdido. Terei que fazer uma remessa maior.
– Uma
pena...
– O
senhor quer que reserve?
– Não,
não. Até lá, eu já resolvi o meu problema. Obrigado. Até.
– De
nada. Até.
Será
que morrer é carregado de dificuldades? No caso dele parece que sim.
Volta
frustrado para o quartinho, pensa no que o dono do mercado falou da
epidemia de ratos. Dá nenhuma importância para o caso.
–
Quero morrer, será que é difícil? Tudo precisa ser
difícil na vida, até pra morrer?
Seu
pensamento foge pra boca. O velho sargento decepcionado.
Ao
voltar, deita na cama de barriga pra cima a olhar o teto. Do lado de
fora ouve a algazarra das crianças, a martelada há distancia do
pedreiro, o som de automóvel gritando música sertaneja, barulho,
distante e próximo. Da rua a voz escandalosa da mulher, dá bronca
em alguém, talvez pra alguma criança, a voz some aos poucos. Não o
deixam pensar, pensar na sua vontade. Imagina levar um tiro de
assalto, direto no peito, pra que não haja socorro. Imagina a cena,
ele desafiando o marginal, provocando, desejando que tenha ação e
com sorte, consegue. O marginal nervoso dispara, com seu revolver e o
ex-sargento é atingido e que não há como salvá-lo, ambulâncias,
resgate, nada. Cairia com o riso aberto, contente e morto.
Lança
um sorriso bobo no ar, em câmera lenta o admira próprio caído
baleado, sangrando, sem gemer, sem estar assustado e surpreso.
Suspira
alto, espreguiça, há tantas maneiras, jeitos, artimanhas para
morrer. Tinha hora, dias, semanas e meses para concretizar a sua
vontade.
–
Quero breve. Pra ontem, se for pedir muito.
Pensar
no veneno que era dele o fez entristecer. Velho de guerra azarado.
No
vacilo, cochila. Desperta no horário do almoço. Levanta bravo, pois
perdeu um tempinho de pensar no plano de morte. Droga! Não devia
vacilar, não devia ser vencido pelo cochilo. Segue para o banheiro
pra tirar do rosto a cara de sono, retorna e liga o rádio. “Notícias
trazem um grave problema nos quatro bairros da cidade. Uma epidemia
de ratos deixa alarmada a população. Alguns supermercados alegam
que os estoques de veneno e ratoeiras acabaram e não confirmam o
prazo correto para reposição.” “O departamento básico de saúde
avisa do perigo que o roedor traz nas pessoas. Alerta todos para a
vigília contra essa peste maligna.”
Desliga
o rádio. Tem fome. Não gosta de perder tempo. Precisa comer.
Dura
meia hora de preparo para o almoço. Com o prato senta na cama. Come
a contragosto, mas tem fome. Pensa que dará a última garfada no
arroz e feijão e na mistura, um bife bem grande, depois não prevê
o que virá.
Talvez
esteja vivo amanhã e depois de amanhã. Quem sabe? Ninguém descobre
o dia de amanhã, só o hoje. E o presente é cruel, ironicamente não
o permite levar a sério o seu desejo. Se fosse tão fácil como
pensa...
Passa
à tarde dentro do quartinho. Não arquiteta nada, relaxa com outras
coisas, pensamentos velhos, lembranças perdidas, a ditadura e a
família. Família composta da esposa e dele. Não tiveram filhos,
sobrinhos tinham aos montes. Filhos não. Casal azarado como dizia
para os cinco irmãos homens, todos com filhos abençoados de saúde,
chutando bolas de futebol, transformando em novos soldados... Não!
Os sobrinhos abominam o militarismo, rebeldes, afeminados, estudantes
anarquistas e esquerdistas, amantes de Marx, putinhas de Proudhon.
Era a esposa e o ex-sargento. Muitos anos de convívio e matrimônio.
Ótimos anos de felicidade.
– De
amanhã não passa.
Diz
pra si mesmo. Tentando buscar alguma esperança perdida no fundo do
poço. Se não pode morrer de veneno de rato, há tantas formas de
entregar a vida.
– De
amanhã não passa.
Deita,
dispara um tímido sorriso. De olhos fechados desenha várias
imagens. Uma delas a esposa falecida, bonita na juventude e o próprio
bonitão dentro da farda, jovem, esbanjando energia. Imagens que
sempre o agradaram, que convivem há anos como companhia.
– De
amanhã não passa. Encontrarei minha hora...
...
Três
semanas passam e nada de concluir o objetivo.
A
crise de epidemia espalhou pela cidade e casos de doenças causadas
pela praga surgiram. Principalmente nas crianças. Nos supermercados
há uma extensa disputa dos clientes na busca de venenos. O que vem
gerando disputas violentas de agressões por falta do produto. Em
alguns supermercados de grande porte é gerado senhas com horários
marcados para que se consiga a compra da mercadoria.
O
ex-sargento assistiu e ainda assiste o caos da epidemia. Os vizinhos
reclamaram da quantidade de roedores. Por falta de outra solução,
resolveram o problema a paulada. Na calçada, loteada de roedores
mortos. São grandes, enormes e pequenos, expostos a luz do sol.
Adiaram
a morte. Por mais que quisesse, adiaram a morte. A vida continuava,
mesmo com a praga na cidade. Ouviu das conversas dos vizinhos que uma
menina de doze anos chegara a óbito e que um senhor estava quase a
beira disso também. Sentiu inveja, pelo menos sendo de doença o
adoentado morreria.
Acabou
deixando de lado o plano. Seguiu a vida, calado no seu cantinho sendo
visitado pelos roedores. Não ligava, permitia que fizessem a festa
no quartinho. Quando todos estavam apavorados e lutando, o
ex-sargento mal se importava com a presença dos bichinhos. Eram três
ou dois não sabia o certo a quantidade, mas estavam dentro, criando
morada.
Sentia
o cheiro de urina, forte, prejudicial, que o lerdeava, tonto, de
mal-estar. Ficava horas deitado e dormindo, acordava desorientado com
o cheiro cada vez insuportável. Chamara a atenção de dona Nice.
– O
que há? Esse cheiro forte é de rato?
Eram
três dias, nem notara a lerdeza do corpo e a fraqueza. Teve que
abrir bem os olhos pra fixar o rosto da mulher e entender o que ela
dizia.
– Está
bem? Parece-me esquisito. – Ela pergunta.
– Tudo
bem. Não é nada. – Responde.
–
Verifique, senhor. Pode ser urina de rato. Essas
coisinhas nojentas estão por toda parte.
– Eu
farei, dona Nice. Por favor, me dê licença, preciso descansar.
Sem
ouvir o adeus tranca a porta e com dificuldade cambaleia para a cama.
Desaba, como um pesado corpo derrotado.
Passam
horas, tem impressão de ouvir ruídos. Algo se move, barulhinhos
fininhos. Sua cabeça agitada, os olhos doloridos e as lágrimas que
brotam teimosas. Sem concentração não distingue o que está
acontecendo.
Perdido,
vira o rosto para o lado. Os olhos uma cortina de vertigem, no chão
há vultos, pequeninos, que andam pra lá e pra cá. São ligeiros e
agitados. São três ou talvez dois. A cabeça uma confusão. Está
doente o velho soldado...
– A
morte virá me abraçar?
Calado,
olha o teto. Tão desorientado de si...
...
Não
compreende, porém ouve vozes. Vozes femininas. Uma delas tem a quase
certeza que reconhece. Não compreende a conversa é um cochicho
inaudível, sussurros baixinhos e não entende o do por que de estar
ali. Não sente o corpo, tenta se mexer, mas alguém impede, sente
uma mão fria tocar o braço e esforça pra abrir os olhos. Inútil.
Escuta ruídos, bips descontrolados, passos, passos apressados e
vozes. Na correria, o braço picado, quis gritar, não sai nada,
tenta abrir os olhos, é inútil. A noção do tempo perdida. Parece
preso, preso numa prisão invisível, onde há gente e não
compreendia quem era.
Dessas
vozes umas delas conversa diretamente, toca o rosto, arruma o cabelo,
troca às roupas todos os dias, mas quem seria? Uma conhecida?
Semanas
atrás desejava morrer, por um motivo que não conseguiria explicar,
quis se entregar a morte. Sua vontade foi perdida, ao menos entende
que não está morto. Pra qual lugar viera, também não sabe.
As
vozes ainda cochicham, estão calmas, sente a aproximação de
alguém, sente o calor da pessoa, ela sussurra e se afasta. Não está
morto, tem total certeza. Quer abrir os olhos, mas é inútil.
É
um novo dia e ele sabe. Percebe o vulto passando, um ruído de algo
correndo e um clarão a preencher. O vulto passa, ouve o andar, é
mulher pelo som do sapato, som de salto a bater no chão, forte e
barulhento. Depois, o rangido desafinado de uma porta sendo fechada.
Não
demora muito e entra alguém. Outra figura feminina, aproxima do seu
rosto, lhe toca, a mesma de todos os dias, conversa com ele, chama o
seu nome e não lembra quem seria ela. É hora de abrir os olhos
sargento.
A
pessoa pega na mão, sussurra palavras que não distingue, aperta
forte, como se quisesse puxá-lo, quisesse buscá-lo do buraco, é um
aperto de segurança, de que estará seguro pra voltar, que não
precisa se preocupar, firme e confiante.
O
puxa de volta, segura de si, protetora, é hora de voltar ao mundo
general.
Aperta
bem forte, quer segurança, firmeza, ter certeza de que não soltará
sua mão. E assim aos poucos abre os olhos...
No
começo vulto embasado, desconhecido. Custa a clarear, a endireitar
as imagens e a pessoa o observando. A claridade é dolorida, chocam
os olhos, aos poucos se acostuma, distinguindo as coisas, os objetos
e a pessoa ali que ainda não largou dele. O som começa a melhorar,
melhora aos poucos. Escuta vozes, passos sendo dados e maquinários
agindo ordenadamente.
–
Graças que acordou, graças! – Diz a pessoa feliz com
sua volta.
Pois
agora sabe quem é a pessoa. É nada mais nada menos do que a própria
vizinha dona Nice.
–
Avisarei a enfermeira que o senhor acordou. – Ela
avisa.
Se
solta, corre apressada a procura da enfermeira. E não, o ex-sargento
não está morto. Talvez o detalhe o deixa menos contente.
A
vizinha volta tão logo quando foi.
–
Prontinho, ela virá em breve. O senhor, como está se
sentindo?
O
ex-sargento ignora a pergunta da mulher lançando sua própria
pergunta.
– Por
gentileza, dona Nice... O que sucedeu comigo?
– Ah,
a gente o encontrou desmaiado e febril na cama.
– A
gente quem?
– Eu
e a Mônica, a vizinha de quarto. Pedimos pra arrombar a porta, vimos
dois ratos saindo de dentro.
– E
me trouxeram aqui? É o hospital?
– Sim,
é o hospital. Sete dias internado.
– E
a senhora tomou seu tempo para ficar comigo?
– Ah,
mas o senhor não tem parentes próximos, então fui responsável de
ficar cuidando e visitando-o.
–
Entendo.
Abre
uma cara de desanimo que a mulher percebe.
– Está
sentindo dor? Incomodo?
– Nada.
Acostumando com a luz e voltando a escutar as coisas normalmente.
A
cara com a mesma expressão. Agora pintada de derrota.
– Sabe
dona Nice. Às vezes desejamos aquilo que não está preparado na
hora que queremos. Certamente o que desejamos virá, mas não no
momento que preparamos. É um grande mistério, não é verdade?
– Ah,
com certeza. Desculpa, não entendi onde se encaixa o assunto.
– Não
é nada. Apenas uma divagação por alto.
– Ah,
entendi. Fique tranquilo, a enfermeira vem vindo.
– Tudo
bem...
E
vira o rosto para o lado tentando buscar respostas que não viria na
sua mente.
(Rod.Arcadia)
Nota:
* Trecho da música Fio de Cabelo de Chitãozinho & Xororó.