quarta-feira, 9 de abril de 2014

A Janela Aberta














Ultimo Dia: Prólogo.




Olhou na direção da janela aberta. Na direção, que ele se encontrava.
A menina levantou e caminhou. Ele ficou parado e surpreso, sem se mexer. Ela andou ao encontro dele, rostinho sereno, cabelos loiros escorridos. A vela queimava, e à chama ardente, iluminava. A lufada de frio, invadia o pequeno quarto. Com coragem, a menina, se aproximou.




Primeiro Dia:





A criança acende todos os dias uma vela.

Ajoelhou, juntou as mãozinhas, fechou os olhos bonitos que ganhou, e rezou baixinho.

Primeiro, para o menino Jesus, depois, Maria e José. Rezou para o Papai do céu, pra iluminar as vidas da mamãe e do irmão. Terminado, pediu aos anjinhos, cuidarem dela e começou outra oração, a pedir, e a rezar, com devoção.
Sempre ali, a observar a menina. Sempre vigiou, ouvindo a voz da pequena. Ele não se moveu, estava silencioso, no seu cantinho intimo.

Às vezes, o pensamento escapava, fazendo com que se perdesse, e demorasse a compreender em qual parte, encontrava-se a oração.
Ficou calado, pra não atrapalhar. De vez em quando, olhava, para que pudesse abrir um riso tímido, para a menina.
Tinha sete anos, a menina. O irmão, oito. A mãe, com os nervos à flor da pele. Era bastante estourada, uma bomba pronta, pra explodir.
Nos últimos dias, esteve muito nervosa. A pressão chegou lá no bico. Tiveram que levá-la para o hospital. Agora, precisa tomar de seis em seis horas o comprimido, para manter a pressão equilibrada.
A reza acabou. Fizera os pedidos e os agradecimentos que precisou.

Ficou de pé, espreguiçou o seu magro corpinho. O menino entrou. Ela o olhou. Nada falou. Ele pegou o caderno abandonado na cama, e puxou o cabelo dela.
– Ai!
A vela queimava. Descobriu com a mãe, que precisava ser apagada sozinha. Aprendeu desde pequena, a avó, ainda viva.
– Senão, nossos pedidos, orações e proteções, não são atendidos. – Explicou ela.

E com a explicação, deixava-se derreter a vela. Concluiu que desse modo, chegaria fácil, no ouvido do Papai do céu.
O menino, não era pra rezas e orações. Oficio, somente da menina. A mãe não tinha tempo, ocupava seus afazeres, com problemas da casa.
A mãe chegou. Escutando o grito da menina. Lançou uma cara feia, para o menino.
– Que fez com sua irmã? – Perguntou.
– Nada não. Ela que faz graça.
– Puxou meu cabelo! – A menina dedurou.

A mãe nem falou. Havia fumaça, saindo da cabeça dela.

O menino abaixou as orelhas e saiu de mansinho. Escapou dali, indo para a sala.
– Vamos. Isso passa. – Disse, ao colocar a mão no cabelo loiro da
menina.
E ali quieto, e sem se mover, via as duas. A mulher o encarou. Pensou que deveria falar com ela, de que não precisava ficar brava, com o menino.
– Vamos. Feche o quarto. Daqui a pouco, à vela,
se apaga. – Ela disse, e não parava de encará-lo.
E ele também saiu quietinho.

Seguiu-as,
para a sala. Andou cauteloso. Não quis chamar atenção. Examinou o ambiente da casa, um tanto escura, com mínima luminosidade vinda das lâmpadas.
Na sala, o garoto se escondeu dentro do caderno. A televisão, estava ligada na novela. Horário das dezoito horas. Ao passar a menina estapeou a cabeça do menino.
– Ai, mãe! – Ele chiou.
– Silêncio! – Ordenou, sem interromper a caminhada. Sentou na poltrona, que era só dela, de posição melhor para assistir TV. A menina sentou na poltrona maior, do lado do menino.
– Quem começou a me bater foi você. – Disse a menina.
– Calem a boca. Quero ver minha novela sem nenhum pio. – Falou a mulher, lançando um olhar furioso para os dois.

Timidamente, ele sentou numa pequena vaga que encontrou. Estava bem desconfortável, difícil de se acomodar.

Posição ruim, não conseguia assistir a TV. Restou ouvir, o que à novela narrava.
Na decoração, pendurado na parede, o quadro do Preto Velho, o outro de Iemanjá e um de São Jorge, matando o dragão. Havia o altarzinho, para uma pequena imagem, de outro Preto Velho, enfeitado de fitas vermelhas, amarelas, brancas e verdes.
Atraiu-o para lá. Tocar a imagem ou ficar, apenas próximo.
Esboçou uma saída. Olhou pra mulher, que se encontrava, distraída.
Levantou, e andou de mansinho.
– Não vá, se afasta daí! – Gritou a mãe.
Com medo, voltou no seu cantinho. Assustado, percebeu que não foi com ele, que ela tinha gritado. Constrangido, se encolheu. Não falou palavra alguma.
– Idiota. Burra. – A mulher xing
ava a personagem da novela.
– Ai! – Reclamou a menina.

O menino beliscou disfarçadamente a menina. Os dois entraram numa briga. Tapas e mais tapas.
– Ei, ei, ei! Podem, parar já! – Ordenou a mãe, que fez os dois, se encolherem. – Saco!

No quarto, a vela estava derretida. Observou a menina arrumar a cama dela. O menino, arrumou apressadamente a sua cama, e num impulso, pulou e deitou nela. Antes de deitar, a menina, ajoelhou-se, colocou os braços em cima do colchão e pediu proteção, ao anjo da guarda. Rezou o Pai-nosso, e em seguida, deitou e se cobriu, com o cobertor.
A mãe entrou. Camisola cor-de-rosa. Olhou para ele. Não disse nada.
Beijou os filhos.
– Durmam bem.
– Você também, mamãe. – Responderam.
O dia terminou.





Segundo Dia:





Levantaram cedo. Tomaram café, vestiram roupas de sair e foram as compras.
Compraram mais baboseiras, do que as necessidades. As crianças armaram um barraco por causa de uma marca de bolacha de recheio, a mãe precisou intervir.
Os acompanhou, pra dar alguma opinião. Contentou-se somente, como uma desconvidada companhia.
Na volta, precisou se esquivar do cão vira-lata sarnento, que cismado, latia no seu calcanhar, além de atrapalhá-lo, a ajudar a carregar às sacolinhas.
No almoço, comeram macarronada e a mãe, permitiu que as crianças tomassem refrigerante.
De noite, foram na umbanda, próximo ao quartel da polícia militar.

Religião da família. Geração de avó para bisavó e bisnetos.
O menino não tinha vocação, mas respeitava a mãe e a crença dela. A menina era o oposto, tanto que possuía a missão de orar e pedir proteção para as entidades que protegiam e auxiliavam na jornada da vida.
A mãe teve um sonho, uma entidade avisou que a filha, seria médium, e que aguardasse a hora e deixasse nas mãos das entidades protetoras da criança, seu dom florescer. A mulher orgulhosa e feliz, aceitou.

Revelou o sonho para o Pai de Santo, que deu a benção e que ajudaria, a preparar a menina, para o dia da iniciação.
A menina admira os caboclos. Deseja ser o caboclo Sete Flechas. Encanta-se com a dança, força e sabedoria. Não teme Exus e as Pombas Giras, das Pretas Velhas, a Maria do Gongo, a emocionava.
Hoje, no terreiro, foi dia de celebração. Gente honrada com a nova entidade descoberta.

Celebrações, preces, canções e entidades contentes a celebrando.
Quando voltaram, ele os esperava. Queria ir também, infelizmente, por algum motivo que não se sabe, não conseguia sair de noite. Não gostava de ficar sozinho, ainda mais sem luz, e à casa escura. Ficou encolhido e sentado no quarto das crianças, em silêncio.

Tinha aflição e ansiedade, ao saber que a mãe e as crianças chegaram, se animou, feliz da vida, ao descobrir, que não o abandonaram.
Rapidamente, levantou e esquivou-se para o canto, na direção da janela e encostou-se na parede.
A menina entrou primeiro, seguido do menino, que a empurrou.
– Ai! Grosso! – Reclamou.
O irmão botou a língua pra fora.
– Olha, mãe! Tá mostrando a língua pra mim…
– Mentira! Não estou fazendo nada, ela que é chata!
– Mentira! Mostrou sim!

E a mãe, lá do outro lado, falou, de voz nervosa.
– O que tá havendo ai? Se eu sair daqui, pra apartar briguinha dos dois, podem ter certeza que não aliviarei. – Sentenciou.

E a menina, pra provocar, mostrou a língua para o menino, dando o troco nele.
Trocaram de roupa, colocaram pijama e comeram, antes de deitar. A mãe comeu preocupada, algum incômodo, a fez comer lentamente o jantar.
Não sentava na mesa, ficava mais do lado da menina. A mãe esticou o olho, nem reclamou, não se importava, com a presença dele, perto da menina.
– Que a senhora tem, mamãe? – Perguntou a menina, que a tempo observava, a reação preocupante da m
ãe.
– Tenho nada. Pensando somente. É isso. – Sorriu, um riso inseguro, que não soube pintar muito bem no rosto.
– Come sossegada. – Concluiu.

A menina obedeceu.
Ao deitarem, o menino esboçou uma nova provocação, mas a menina, o alertou do castigo, e ele mudou de ideia na hora.

Rezou para as entidades, os orixás, as bênçãos que recebera do Pai de Santo, e encerrou com o Pai-nosso.
Deitou, aguardou a mãe entrar pra dar beijo de boa noite. A luz se apagou, escuridão, fechou os olhinhos. Haviam vários sonhos pra sonhar, muitas imagens, para relembrar no dia. Dormiu.
Na beirada da cama, ele ajoelhou-se próximo do rostinho da menina. Era tão gracioso olhá-la, ouvir a sua respiração. De leve, acariciou o rostinho e os cabelos loiros dela. Em silêncio, resmungou uma boa noite timidamente. Foi descansar.






Terceiro Dia:




A família acordou bem-disposta. Café, pão e leite quentinho. Passarinhos soaram como bem-vindos, aos ouvidos. O dia começou bem.
As crianças de uniforme e mochila nas costas, a mãe, na sua maneira explosiva, ditava ordens, apressou-as, repreendeu uma suposta discussão entre os dois. Mas tudo terminou bem, conduziu os filhos na escola, depois, dirigiu-se ao seu compromisso, que não podia ser adiado, confiante, seguiu, pensando no que viria, no futuro incerto e cego.
Ele não tomou café, nem mordiscou o pedaço de pão.

A casa vazia e silenciosa, era uma tortura. No quarto das crianças, olhar para o lado de fora, era impossível. Janela fechada e trancada com cadeado. Abri-la jamais, conhecia o temperamento explosivo da mulher. Restou a sala, a caminhar na escuridão. A televisão desligada, o controle remoto largado no sofá, pedindo que tocasse nos seus botões. Negou pegá-lo, a apertar o botão vermelho e deslumbrar com o brilho da tela de imagens, do som, das cores, dos movimentos, das pessoas do outro lado da tela. Preferiu o barulho do silêncio, como o Preto Velho no altarzinho, ele também prefere assim. Se buscasse perguntas, para serem esclarecidas, não seriam as respostas e os conselhos do Preto Velho, que poderiam responder. Mas, faltava algo. Mas, o que faltava para si? Pedaços, vestígios, restos, coisas incompletas, parafusos perdidos. O que lhe tem tirado, que não possa descobrir e adivinhar? Na cozinha, a mesa suja de migalhas de pão, na xícara, o restinho de café com leite que o menino deixou. Sentiu o aroma, que ainda restava, mas, o café, estava frio. Voltou no quarto, desolado, angustiado, sentia muita falta da família, contou as horas, para o tempo passar e passar.
Parecia um garotinho feliz, ao ver a mulher entrar.

Não acenou, e a mesma, nem lhe deu bola. O cansaço tomava conta dela. Relaxou-se no sofá. Ela cochilou. Ele veio perto e esticou a mão para tocar o rosto dela.

Desistiu, ficou de pé, vigiando-a.
Minutos depois, as crianças entraram. Brigavam, e xingavam um ao outro. Tapas e pontapés, a mulher assustada, despertou. E gritou.
– Basta! Matarei um por um! Silêncio os dois! Estamos entendidos?
– Foi ela que começou! – Disse o menino, de cara feia.
– Mentiroso! É você que começa! – Reclamou a menina.
– É você a mentirosa!
– Sou não!
– É sim!
– Quietos! Já falei. Quietos, caramba! – Falou a mãe, erguendo a palma da mão, pra bater nos dois.

Com medo pularam no sofá, fazendo carinhas de anjos comportados.
Gostava das brigas das crianças, e do exagerado nervosismo da mãe. Não o incomodava, de maneira nenhuma. Não gostava de ficar horas sozinho, dentro de casa. Queria a rotineira companhia da família.
O café da tarde correu bem. Não aconteceu briga nenhuma e a mãe, ficara tranquila, tudo se seguiu, normalmente. Apenas vigiava o pessoal, sempre do lado da menina. Não entende a razão de preferir ficar do lado dela. Quando a mulher o viu, não se importou, não demonstrou nenhum interesse nele. Fingiu.
Depois, à sala e a TV. De tarde, somente programas feministas. A mulher, folgada na sua poltrona particular, os filhos, no sofá tramando rivalidade. No espaço que sobrou, ele ficou caladinho, tímido e desconfortável. Nem reclamou. Estava muito bem, mesmo no desconforto.
Eis que palmas soaram do lado de fora.
A mãe olhou e não gostou do que viu.
– Quem é, mãe? – Perguntou o menino curioso.
– O senhor Ademar.

Era o proprietário da casa. Ou seja, ela era alugada.
– Não é dia de receber o aluguel. – Comentou com desconfiança.

Sem esperar, foi saber do que se tratava da visita. Acabou trazendo o senhor Ademar pra dentro de casa.
Homem magro de cabelos ralos, pernas longas e nariz alongado, de calça e suspensórios marrom. Usava diariamente uma caneta atrás da orelha direita. Proprietário de dez imóveis e somente uma que não era alugada. Vivia da renda e do sustento dos aluguéis. Foi funcionário público, não casou e não teve filhos. Sobrinhos, tinha aos montes, raramente o visitam. Nunca deu muita bola para a família, considera-os interesseiros no seu patrimônio, que não era muito, mas rendia bons lucros.
– Sente-se, senhor Ademar. – Pediu a mãe para o homem, que viu as crianças olhando com carinhas curiosas.
– Ah, sem problemas. Está bom de pé. – Disse.
– Vocês. Já pro quarto. – Ordenou a mãe para os filhos.

O senhor Ademar interferiu.
– Não, não. Podem ficar. É do interesse deles também. – Confirmou.
– E do que se trata? Hoje, não é dia de receber o aluguel.
– Exatamente. Não é o dia. Trago uma notícia ruim, para a senhora, e as crianças.
– Notícia ruim? Que notícia ruim, é pior que a minha pressão alta? – Perguntou a mulher de cara larga.
– Não quero que fique nervosa. Não queria que chegasse a esse ponto. Quero evitar problemas. A senhora entenderá.
– Sim, sim. Deixe de enrolação e diga do que se trata. – Falou demonstrando impaciência.

As crianças de olhinhos esticados, escutavam de orelha em pé.
Desconfortável na poltrona, ele encarou o proprietário, de cima a baixo. Pena que não podia palpitar. Sobrou ver e escutar a conversa.

– Certo, certo. – Voltou a falar o homem. – Mais uma vez, não quero que fique nervosa. A situação é indelicada até pra mim que…
– Fala logo, homem, está me deixando nervosa! – Falou desesperada.
– Desculpe, desculpe. Não é minha intensão de enrolar. Pois bem, mas é difícil de falar. Está certo, sem enrolação. A senhora e as crianças terão que deixar a casa o mais breve possível.
Posso lhe oferecer um prazo de três meses para encontrar uma nova locação. – Disse o proprietário, afinal.
– Quê? Sair da casa? Como assim, sair da casa? Estou pagando direitinho, não devo nada.
– Eu sei. Nunca deixou passar o prazo. Mas o problema, é que estou recebendo pressões de moradoras que não aceitam a senhora no bairro. E se eu perdê-las, como ficarão os meus negócios?
– O senhor fará isso comigo e com meus filhos, porque algumas fofoqueiras não aceitam a gente?
– Lamento. Lamento muito pela situação.
Estou recebendo pressões por todos os lados. Aceite, que é melhor a senhora e seus filhos, encontrarem outro lugar, do que a mim que perderá mais gente.
– Está pensando nos seus lucros e não no meu problema? Tenho crianças pequenas. Onde, em qual lugar, sairei com elas?
– Tenho contrato de três meses. Três meses de prazo, tempo justo para encontrarem outro lugar.

O senhor Ademar carregava no braço uma male tinha de couro. Vasculhou minuciosamente e retirou o que procurava.
– Aqui! O contrato. Pegue. A senhora assina e ficamos acertados. É o que posso lhe oferecer.

Passou o papel para a mulher. As crianças observavam o rosto avermelhado da mãe, que as deixavam de olhos arregalados e assustados.
– Pare! A senhora não pode….

O senhor Ademar tentou inutilmente deter a mulher, que com raiva, rasgou o contrato.
– Não devia ter feito o que fez! Está louca?- Falou alto o homem.
– Sai daqui velho, aproveitador, Saia!
– Foi um erro, um erro! Prejudicou a senhora mais ainda!
– Saia, anda logo. Saia!

E foi, empurrando o proprietário pra fora e ele reclamando da burrice que ela cometeu. Bateu com força a porta. Gritou, berrou, insana, a pressão aumentou, descontrolada, entrou na cozinha, grise. Quebrou tudo, descontrolada, berrou, xingou.
– Cornas, fofoqueiras, mal-amadas, filhas da mãe!

Quebrou, a pressão subiu, nunca se viu tão nervosa. Os filhos amedrontados. A menina tremeu, o menino, o coração dele, acelerou. Os dois juntinhos, um abraçando o outro, um cuidando do outro, um protegendo o outro. A mãe fora de si quebrou o copo e o prato, tudo que encontrou no caminho. Virou caos, virou pesadelo.

Desorientado e deslocado, com pena das crianças. Coitadinhas, era enorme o medo deles.

Não sabia como impedir. Protegê-los. Era a solução. Sentou perto delas e o longo braço magro, envolveu-as. Protetor, ele se acostumou com essa gente que lhe fazia bem.
De noite, lá pelas dezenove horas, a mulher se acalmou. A menina ajudou a levá-la até o quarto.

Chorava, e a menina, teve um pouco de dificuldade.

Arrumou a cama da mãe e a colocou pra deitar. Foi rezar aos santos de devoção da mãe.
Eram vinte e uma horas. Abriu a porta devagarzinho. Seus pezinhos leves, mal faziam barulho. Ele veio acompanhando, discreto, acanhado, temendo a reação da mulher.
A menina cheirava a sabonete de jasmim, vestido amarelo que combinava com os cabelos loiros prendidos.
– Mamãe?- Chamou baixinho.

A mulher sorriu para o rostinho sereno da menina.
– Oi, meu anjinho. – Respondeu.
– Vim de ver. Rezei pra iluminar e cuidar da senhora.
– Obrigada, querida. Agora estou bem. Desculpa por assustar você, e o seu irmão.
– A gente entende.
– Que bom, querida. Vem pra cá, deita aqui com a mamãe.

E deitou, sentiu o calor e a respiração da mãe.
– Preciso que cuide mim.
Abraçou a menina, que quietinha sentiu o aconchego gostoso da mulher.

Na beirada da cama, ficou emocionado com o amor das duas. Resolveu também deitar, tinha espaço e conseguiu, esticou novamente o braço longo e magro. Abraçou a mulher, que deu um chega pra lá nele. Com jeitinho se ajeitou, repetiu o mesmo gesto e movimento, desta vez, obteve sucesso.
Um tempo depois, a mãe dormiu. A menina saiu sem fazer barulho. Eram vinte e duas horas e à noite, se estendeu por todo o bairro…


Quarto Dia:




Não sabia do motivo de estar com a família. Estar junto com eles, lhe faz bem. Também não sabia quem era, se tinha um nome, de onde viera, e de que maneira, chegou na casa.

Acostumou-se com eles, sentia uma imensa falta, na enorme distancia de horas, quando ficavam fora de casa. Tinha mais carinho com a menina, o jeitinho dela de acender a vela e orar, a energia agradável, uma luz que iluminava, dando a paz, que não entendia, o por quê.

A vela o atraiu, as orações, pedidos e proteções o atraíram. Desconhecido, sem pertencer a família.

Ou pertencia? Do nome, não se recorda. Muito menos, de qual lado surgira. Ele queria entender o motivo de aceitá-lo, de não reclamar ou expulsá-lo, até porque, era um estranho. Às vezes, desconfiava de que eles não o sentia, outras vezes, tinha certeza, que o enxergava, porém, negavam dizer. Se estivesse atrapalhando, o mandariam embora, mas como era um hóspede quieto, e estava apenas vigiando-os, não havia razão pra retirá-lo dali.
Hoje, acordaram preocupados. Falaram pouco. Tomaram o café pronunciando poucas palavras. O motivo principal, era o destino deles, se realmente sairiam da propriedade.
– Não. Não sairemos. Que se dane as mal-amadas, que não têm o que fazer. Eu tenho.
Querem briga, terão briga. Não sou de fugir de nada. – Disse a mãe com orgulho.
– Pedirei ao Papai do céu ajudar a gente, mamãe. – Di
sse a menina.
– Isso não adianta coisa nenhuma. – Coment
ou menino sem fé.
– Adianta sim! – Di
sse a menina, de cara feia.
– Não. Não adianta!
– Ei! – A mãe soc
ou a mesa e assustou o menino. – Não faça mais isso com a tua irmã, entendeu?
– Tá bom, mãe… Desculpa…
– Não diga que não vale a pena, pois vale muito. Mesmo para aqueles que morreram e não aceita
ram a morte e precisam de luz para entrar no céu. – Falou a mãe. – É a missão da sua irmã, iluminar os espíritos desencarnados, que não vivem mais no plano físico e que aceitam a morte e caminham na paz para o mundo de Oxalá.
– Sei disso, mãe…. – Responde
u o filho.
Na mesa, sem beber, ele escutou o que diziam. Sentiu estranheza no corpo, ao ouvir a palavra, espíritos desencarnados. Luz, e mundo de Oxalá.

Rejeitam a morte, vivem no plano físico, consideram-se vivos. De qualquer forma, isso o atingiu, não desconfiou do motivo e da razão. Algo que lhe faltava, desconhecia em qual parte, se perdera. Entrou a tristeza, entrou a angustia. Ninguém o conheceu, ninguém chamou seu nome. Nem o percebeu na mesa do café.







Ultimo Dia: Conclusão


À noite, a menina acendeu a vela. No quarto, orando e as mãozinhas juntas concentradas. Rezou com devoção e com paixão. Glorificou as entidades e os guias da umbanda. Pediu proteção, até para as entidades dos Exus, e que as almas, seguissem tranquilas e em paz, para o reino do Papai do céu.
Ele assistia a menina, no canto da janela, atencioso. O vento, entrava. Vento frio, arejando. A luz da vela, chamava, a menina, o tranquilizava. Paz, paz era o que, fortalecia.
A mãe cham
ou a menina, lá da sala.
– Terminou?
– Já, mamãe. – Responde
u.
– Vem pra cá. Feche
à janela, a novela está começando. – Avisou.
– Tá bom. Estou indo.

Ela olhou na direção da janela. Na direção, que ele se encontrava, naquele instante.

A menina levant
ou e caminhou. Ele ficou parado e surpreso, sem se mexer. Ela andou ao encontro dele, rostinho sereno e cabelos loiros escorridos. A vela ardente, iluminava. A lufada de frio, invadia o pequeno quarto.

Parado, observou a menina, se aproximando. Será que o viu? Sim, ela o viu e sorrindo, caminhou.

Seu ser se felicitou, alegre, muito alegre. A menina o reconheceu, que não era nenhum, invasor invisível. Alegre, muito alegre. Abriu os braços para recebê-la, e dar boas vindas. Sorriu, acreditando que existia.
A menina atravessou. Atravessou o corpo dele. Não houve dor, não sentiu nada. Atravessou. Ela fechou a janela. Da mesma forma, atravessou outra vez, como se atravessasse, uma cortina invisível. Verificou o quarto, antes de sair. Apagou a luz e fechou a porta.
Trevas e solidão. Triste, sentou na cama. Não aceitou o que era, não aceitou o que era

Frustrado, desiludido e inconformado,
colocou a mão no rosto. Clamar alto, não resolveria. Desabafar, seria inútil. Não sabia para aonde ir, e aceitar que não passava de uma….
Sobr
ou o risco da lágrima, a lacrimejar. Sobrou o choro a dominar.
E a alma penada, chorou.


(Rod.Arcadia)

Nenhum comentário:

Postar um comentário