Ultimo
Dia: Prólogo.
Olhou
na direção da janela aberta. Na direção, que ele se encontrava.
A
menina levantou e caminhou. Ele ficou parado e surpreso, sem se
mexer. Ela andou
ao encontro dele, rostinho sereno, cabelos loiros escorridos. A vela
queimava, e à chama ardente, iluminava. A lufada de frio, invadia
o pequeno quarto. Com
coragem, a
menina,
se
aproximou.
Primeiro
Dia:
A
criança acende todos os dias uma vela.
Ajoelhou,
juntou as mãozinhas, fechou os olhos bonitos que ganhou, e rezou
baixinho.
Primeiro,
para o menino Jesus, depois, Maria e José. Rezou para o Papai do
céu, pra iluminar as vidas da mamãe e do irmão. Terminado, pediu
aos anjinhos, cuidarem dela e começou outra oração, a pedir, e a
rezar, com devoção.
Sempre
ali, a observar a menina. Sempre vigiou, ouvindo a voz da pequena.
Ele não se moveu, estava silencioso, no seu cantinho intimo.
Às
vezes, o pensamento escapava, fazendo com que se perdesse, e
demorasse a compreender em qual parte, encontrava-se
a oração.
Ficou
calado, pra não atrapalhar. De vez em quando, olhava, para que
pudesse abrir um riso tímido, para a menina.
Tinha
sete anos, a
menina.
O irmão, oito. A mãe, com os nervos à flor da pele. Era
bastante estourada, uma bomba pronta, pra explodir.
Nos
últimos dias, esteve muito nervosa. A pressão chegou lá no bico.
Tiveram que levá-la para o hospital. Agora, precisa tomar de seis em
seis horas o comprimido, para manter a pressão equilibrada.
A
reza acabou. Fizera
os pedidos e os agradecimentos que precisou.
Ficou
de pé, espreguiçou o seu magro corpinho. O menino
entrou. Ela o olhou. Nada falou. Ele pegou o caderno abandonado na
cama, e puxou o cabelo dela.
– Ai!
A
vela queimava. Descobriu com a mãe, que precisava ser apagada
sozinha. Aprendeu desde pequena, a avó, ainda viva.
– Senão,
nossos pedidos, orações e proteções, não são atendidos. –
Explicou ela.
E
com a explicação, deixava-se derreter a vela. Concluiu
que desse modo, chegaria fácil, no ouvido do Papai do céu.
O
menino, não era pra rezas e orações. Oficio, somente
da
menina. A mãe não tinha tempo, ocupava seus afazeres, com problemas
da casa.
A
mãe chegou. Escutando o grito da menina. Lançou uma cara feia, para
o menino.
– Que fez com sua irmã? – Perguntou.
– Nada
não. Ela que faz graça.
– Puxou meu cabelo! – A menina
dedurou.
A
mãe nem falou. Havia fumaça, saindo da cabeça dela.
O
menino abaixou as orelhas e saiu de mansinho. Escapou dali, indo para
a sala.
– Vamos. Isso passa. – Disse, ao colocar a mão no
cabelo loiro da menina.
E
ali quieto, e sem se mover, via as duas. A mulher o encarou. Pensou
que deveria falar com ela, de que não precisava ficar brava, com o
menino.
– Vamos. Feche o quarto. Daqui a pouco, à vela, se
apaga. – Ela disse, e não parava de encará-lo.
E
ele também saiu quietinho.
Seguiu-as, para
a
sala. Andou cauteloso. Não quis chamar atenção. Examinou o
ambiente da casa, um tanto escura, com mínima luminosidade vinda das
lâmpadas.
Na
sala, o garoto se escondeu dentro do caderno. A televisão, estava
ligada na novela. Horário das dezoito horas. Ao passar a menina
estapeou
a cabeça do menino.
– Ai, mãe! – Ele chiou.
–
Silêncio!
– Ordenou, sem interromper a caminhada. Sentou na poltrona, que era
só dela, de posição melhor para assistir TV. A menina sentou na
poltrona maior, do lado do menino.
– Quem começou a me bater foi você. – Disse a menina.
–
Calem a boca. Quero ver minha novela sem nenhum pio. – Falou a
mulher, lançando um olhar furioso para os dois.
Timidamente,
ele
sentou numa pequena vaga que encontrou. Estava bem desconfortável,
difícil de se
acomodar.
Posição
ruim, não conseguia assistir a TV. Restou ouvir, o que à novela
narrava.
Na
decoração, pendurado na parede, o quadro do Preto Velho, o outro de
Iemanjá e um de São Jorge, matando o dragão. Havia o altarzinho,
para uma pequena imagem, de outro Preto Velho, enfeitado de fitas
vermelhas, amarelas, brancas e verdes.
Atraiu-o
para lá. Tocar a imagem ou ficar, apenas próximo.
Esboçou
uma saída. Olhou pra mulher, que se encontrava, distraída.
Levantou,
e andou de mansinho.
– Não vá, se afasta daí! – Gritou a
mãe.
Com medo, voltou no seu cantinho. Assustado, percebeu que
não foi com ele, que ela tinha gritado. Constrangido, se encolheu.
Não falou palavra alguma.
– Idiota. Burra. – A mulher
xingava
a personagem da novela.
– Ai! – Reclamou a menina.
O
menino beliscou disfarçadamente a menina.
Os dois entraram
numa briga. Tapas e mais tapas.
– Ei, ei, ei! Podem, parar já!
– Ordenou a mãe, que fez os dois, se encolherem. – Saco!
No
quarto, a vela estava derretida. Observou a menina arrumar a cama
dela. O menino, arrumou apressadamente a sua cama, e num impulso,
pulou e deitou nela. Antes de deitar, a menina,
ajoelhou-se, colocou os braços em cima do colchão e pediu proteção,
ao anjo da guarda. Rezou o Pai-nosso, e em seguida, deitou e se
cobriu, com o cobertor.
A
mãe entrou. Camisola cor-de-rosa. Olhou para ele. Não disse
nada.
Beijou os filhos.
– Durmam bem.
– Você também,
mamãe. – Responderam.
O dia terminou.
Segundo
Dia:
Levantaram
cedo. Tomaram café, vestiram roupas de sair e foram as compras.
Compraram
mais baboseiras, do que as necessidades. As crianças armaram um
barraco por causa de uma marca de bolacha de recheio, a mãe precisou
intervir.
Os
acompanhou, pra dar alguma opinião. Contentou-se somente, como uma
desconvidada companhia.
Na
volta, precisou se esquivar do cão vira-lata sarnento, que cismado,
latia no seu calcanhar, além de atrapalhá-lo, a ajudar a carregar
às sacolinhas.
No
almoço, comeram macarronada e a mãe, permitiu que as crianças
tomassem refrigerante.
De noite, foram na umbanda, próximo ao
quartel da polícia militar.
Religião
da família. Geração de avó para bisavó e bisnetos.
O
menino não tinha vocação, mas respeitava a mãe e a crença dela.
A menina era o oposto, tanto que possuía a missão de orar e pedir
proteção para as entidades que protegiam e auxiliavam na jornada da
vida.
A
mãe teve um sonho, uma entidade avisou que a filha, seria médium, e
que aguardasse a hora e deixasse nas mãos das entidades protetoras
da criança, seu dom florescer. A mulher orgulhosa e feliz, aceitou.
Revelou
o sonho para o Pai de Santo, que deu a benção e que ajudaria, a
preparar a menina, para o dia da iniciação.
A
menina admira os caboclos. Deseja ser o caboclo Sete Flechas.
Encanta-se com a dança, força e sabedoria. Não teme Exus e as
Pombas
Giras,
das Pretas Velhas, a Maria do Gongo, a emocionava.
Hoje, no
terreiro, foi dia de celebração. Gente honrada com a nova entidade
descoberta.
Celebrações,
preces, canções e entidades contentes a celebrando.
Quando
voltaram, ele os esperava. Queria ir também, infelizmente, por algum
motivo que não se sabe, não conseguia sair de noite. Não gostava
de ficar sozinho, ainda mais sem luz, e à casa escura. Ficou
encolhido e sentado no quarto das crianças, em silêncio.
Tinha
aflição e ansiedade, ao saber que a mãe e as crianças chegaram,
se animou, feliz da vida, ao descobrir, que não o abandonaram.
Rapidamente,
levantou e esquivou-se para o canto, na direção da janela e
encostou-se na parede.
A
menina entrou primeiro, seguido do menino, que a empurrou.
–
Ai! Grosso! – Reclamou.
O irmão botou a língua pra fora.
–
Olha, mãe! Tá mostrando a língua pra mim…
– Mentira! Não
estou fazendo nada, ela que é chata!
– Mentira! Mostrou sim!
E
a mãe, lá do outro lado, falou, de voz nervosa.
– O que tá
havendo ai? Se eu sair daqui, pra apartar briguinha dos dois, podem
ter certeza que não aliviarei. – Sentenciou.
E
a menina, pra provocar, mostrou a língua para o menino, dando o
troco nele.
Trocaram
de roupa, colocaram pijama e comeram, antes de deitar. A mãe comeu
preocupada, algum incômodo, a fez comer lentamente o jantar.
Não
sentava na mesa, ficava mais do lado da menina. A mãe esticou o
olho, nem reclamou, não se importava, com a presença dele, perto da
menina.
– Que a senhora tem, mamãe? – Perguntou a menina, que a tempo
observava, a reação preocupante da mãe.
– Tenho nada. Pensando somente. É isso. – Sorriu, um riso
inseguro, que não soube pintar muito bem no rosto.
– Come
sossegada. – Concluiu.
A menina obedeceu.
Ao deitarem, o
menino esboçou uma nova provocação, mas a menina, o alertou do
castigo, e ele mudou de ideia na hora.
Rezou
para as entidades, os orixás, as bênçãos que recebera do Pai de
Santo, e encerrou com o Pai-nosso.
Deitou,
aguardou a mãe entrar pra dar beijo de boa noite. A luz se apagou,
escuridão, fechou os olhinhos. Haviam vários sonhos pra sonhar,
muitas imagens, para relembrar no dia. Dormiu.
Na
beirada da cama, ele ajoelhou-se próximo do rostinho da menina. Era
tão gracioso olhá-la, ouvir a sua respiração. De leve, acariciou
o rostinho e os cabelos loiros dela. Em silêncio, resmungou uma
boa
noite timidamente. Foi descansar.
Terceiro
Dia:
A
família acordou bem-disposta. Café, pão e leite quentinho.
Passarinhos soaram como bem-vindos, aos ouvidos. O dia começou bem.
As
crianças de uniforme e mochila nas costas, a mãe, na sua maneira
explosiva, ditava ordens, apressou-as, repreendeu uma suposta
discussão entre os dois. Mas tudo terminou bem, conduziu os filhos
na escola, depois, dirigiu-se ao seu compromisso, que não podia ser
adiado, confiante, seguiu, pensando no que viria, no futuro incerto e
cego.
Ele
não tomou café, nem mordiscou o pedaço de pão.
A
casa vazia e silenciosa, era uma tortura. No quarto das crianças,
olhar para o lado de fora, era impossível. Janela fechada e trancada
com cadeado. Abri-la jamais, conhecia o temperamento explosivo da
mulher. Restou a sala, a caminhar na escuridão. A televisão
desligada, o controle remoto largado no sofá, pedindo que tocasse
nos seus botões. Negou pegá-lo, a apertar o botão vermelho e
deslumbrar com o brilho da tela de imagens, do som, das cores, dos
movimentos, das pessoas do outro lado da tela. Preferiu o barulho do
silêncio, como o Preto Velho no altarzinho, ele também prefere
assim. Se buscasse perguntas, para serem esclarecidas, não seriam as
respostas e os conselhos do Preto Velho, que poderiam responder. Mas,
faltava algo. Mas, o que faltava para si? Pedaços, vestígios,
restos, coisas incompletas, parafusos perdidos. O que lhe tem tirado,
que não possa descobrir e adivinhar? Na cozinha, a mesa suja de
migalhas de pão, na xícara, o restinho de café com leite que o
menino deixou. Sentiu o aroma, que ainda restava, mas, o café,
estava frio. Voltou no quarto, desolado, angustiado, sentia muita
falta da família, contou as horas, para o tempo passar e passar.
Parecia
um garotinho feliz, ao ver a mulher entrar.
Não
acenou, e a mesma, nem lhe deu bola. O cansaço tomava conta dela.
Relaxou-se no sofá. Ela cochilou. Ele veio perto e esticou a mão
para tocar o rosto dela.
Desistiu,
ficou de pé, vigiando-a.
Minutos
depois, as crianças entraram. Brigavam, e xingavam um ao outro.
Tapas e pontapés, a mulher assustada, despertou. E gritou.
–
Basta! Matarei um por um! Silêncio os dois! Estamos entendidos?
– Foi ela que começou! – Disse o menino, de cara feia.
–
Mentiroso! É você que começa! – Reclamou a menina.
– É
você a mentirosa!
– Sou não!
– É sim!
– Quietos!
Já falei. Quietos, caramba! – Falou a mãe, erguendo a palma da
mão, pra bater nos dois.
Com
medo pularam no sofá, fazendo carinhas de anjos comportados.
Gostava
das brigas das crianças, e do exagerado nervosismo da mãe. Não o
incomodava, de maneira nenhuma. Não gostava de ficar horas sozinho,
dentro de casa. Queria a rotineira companhia da família.
O
café da tarde correu bem. Não aconteceu briga nenhuma e a mãe,
ficara tranquila, tudo se seguiu, normalmente. Apenas vigiava o
pessoal, sempre do lado da menina. Não entende a razão de preferir
ficar do lado dela. Quando a mulher o viu, não se importou, não
demonstrou nenhum interesse nele. Fingiu.
Depois,
à sala e a TV. De tarde, somente programas feministas. A mulher,
folgada na sua poltrona particular, os filhos, no sofá tramando
rivalidade. No espaço que sobrou, ele ficou caladinho, tímido e
desconfortável. Nem reclamou. Estava muito bem, mesmo no
desconforto.
Eis
que palmas soaram do lado de fora.
A
mãe olhou e não gostou do que viu.
– Quem é, mãe? –
Perguntou o menino curioso.
– O senhor Ademar.
Era
o proprietário da casa. Ou seja, ela era alugada.
– Não é
dia de receber o aluguel. – Comentou com desconfiança.
Sem
esperar, foi saber do que se tratava da visita. Acabou trazendo o
senhor Ademar pra dentro de casa.
Homem
magro de cabelos ralos, pernas longas e nariz alongado, de calça e
suspensórios marrom. Usava diariamente uma caneta atrás da orelha
direita. Proprietário de dez imóveis e somente uma que não era
alugada. Vivia da renda e do sustento dos aluguéis. Foi funcionário
público, não casou e não teve filhos. Sobrinhos, tinha aos montes,
raramente o visitam. Nunca deu muita bola para a família,
considera-os interesseiros no seu patrimônio, que não era muito,
mas rendia bons lucros.
–
Sente-se,
senhor Ademar. – Pediu a mãe para o homem, que viu as crianças
olhando com carinhas curiosas.
– Ah, sem problemas. Está bom
de pé. – Disse.
– Vocês. Já pro quarto. – Ordenou a mãe
para os filhos.
O
senhor Ademar interferiu.
– Não, não. Podem ficar. É do
interesse deles também. – Confirmou.
– E do que se trata?
Hoje, não é dia de receber o aluguel.
– Exatamente. Não é o
dia. Trago uma notícia ruim, para a senhora, e as crianças.
–
Notícia ruim? Que notícia ruim, é pior que a minha pressão alta?
– Perguntou a mulher de cara larga.
– Não quero que fique
nervosa. Não queria que chegasse a esse ponto. Quero evitar
problemas. A senhora entenderá.
– Sim, sim. Deixe de enrolação
e diga do que se trata. – Falou demonstrando impaciência.
As
crianças de olhinhos esticados, escutavam de orelha em pé.
Desconfortável
na poltrona, ele encarou o proprietário, de cima a baixo. Pena que
não podia palpitar. Sobrou ver e escutar a conversa.
– Certo,
certo. – Voltou a falar o homem.
– Mais
uma vez, não quero que fique nervosa. A situação é indelicada até
pra mim que…
– Fala logo, homem, está me deixando nervosa! –
Falou desesperada.
– Desculpe, desculpe. Não é minha intensão
de enrolar. Pois bem, mas é difícil de falar. Está certo, sem
enrolação. A senhora e as crianças terão que deixar a casa o mais
breve possível.
Posso
lhe oferecer um prazo de três meses para encontrar uma nova locação.
– Disse o proprietário, afinal.
– Quê? Sair da casa? Como
assim, sair da casa? Estou pagando direitinho, não devo nada.
–
Eu sei. Nunca deixou passar o prazo. Mas o problema, é que estou
recebendo pressões de moradoras que não aceitam a senhora no
bairro. E se eu perdê-las, como ficarão os meus negócios?
–
O senhor fará isso comigo e com meus filhos, porque algumas
fofoqueiras não aceitam a gente?
– Lamento. Lamento muito pela
situação.
Estou
recebendo pressões por todos os lados. Aceite, que é melhor a
senhora e seus filhos, encontrarem outro lugar, do que a mim que
perderá mais gente.
– Está pensando nos seus lucros e não no
meu problema? Tenho crianças pequenas. Onde, em qual lugar, sairei
com elas?
– Tenho contrato de três meses. Três meses de
prazo, tempo justo para encontrarem outro lugar.
O
senhor Ademar carregava no braço uma male tinha de couro. Vasculhou
minuciosamente e retirou o que procurava.
– Aqui! O contrato.
Pegue. A senhora assina e ficamos acertados. É o que posso lhe
oferecer.
Passou
o papel para a mulher. As crianças observavam o rosto avermelhado da
mãe, que as deixavam de olhos arregalados e assustados.
–
Pare! A senhora não pode….
O senhor Ademar tentou
inutilmente deter a mulher, que com raiva, rasgou o contrato.
–
Não devia ter feito o que fez! Está louca?- Falou alto o homem.
– Sai daqui velho, aproveitador, Saia!
– Foi um erro, um
erro! Prejudicou a senhora mais ainda!
– Saia, anda logo.
Saia!
E
foi, empurrando o proprietário pra fora e ele reclamando da burrice
que ela cometeu. Bateu com força a porta. Gritou, berrou, insana, a
pressão aumentou, descontrolada, entrou na cozinha, grise. Quebrou
tudo, descontrolada, berrou, xingou.
– Cornas, fofoqueiras,
mal-amadas, filhas da mãe!
Quebrou,
a pressão subiu, nunca se viu tão nervosa. Os filhos amedrontados.
A menina tremeu, o menino, o coração dele, acelerou. Os dois
juntinhos, um abraçando o outro, um cuidando do outro, um protegendo
o outro. A mãe fora de si quebrou o copo e o prato, tudo que
encontrou no caminho. Virou caos, virou pesadelo.
Desorientado
e deslocado, com pena das crianças. Coitadinhas, era enorme o medo
deles.
Não
sabia como impedir. Protegê-los. Era a solução. Sentou perto delas
e o longo braço magro, envolveu-as. Protetor, ele se acostumou com
essa gente que lhe fazia
bem.
De
noite, lá pelas dezenove horas, a mulher se acalmou. A menina ajudou
a levá-la até o quarto.
Chorava,
e a menina, teve um pouco de dificuldade.
Arrumou
a cama da mãe e a colocou pra deitar. Foi rezar aos santos de
devoção da mãe.
Eram
vinte e uma horas. Abriu a porta devagarzinho. Seus pezinhos leves,
mal faziam barulho. Ele veio acompanhando, discreto, acanhado,
temendo a reação da mulher.
A
menina cheirava a sabonete de jasmim, vestido amarelo que combinava
com os cabelos loiros prendidos.
– Mamãe?- Chamou baixinho.
A
mulher sorriu para o rostinho sereno da menina.
– Oi, meu
anjinho. – Respondeu.
– Vim de ver. Rezei pra iluminar e
cuidar da senhora.
– Obrigada, querida. Agora estou bem.
Desculpa por assustar você, e o seu irmão.
– A gente
entende.
– Que bom, querida. Vem pra cá, deita aqui com a
mamãe.
E
deitou, sentiu o calor e a respiração da mãe.
– Preciso que
cuide mim.
Abraçou a menina, que quietinha sentiu o aconchego
gostoso da mulher.
Na
beirada da cama, ficou emocionado com o amor das duas. Resolveu
também deitar, tinha espaço e conseguiu, esticou novamente o braço
longo e magro. Abraçou a mulher, que deu um chega pra lá nele. Com
jeitinho se ajeitou, repetiu o mesmo gesto e movimento, desta vez,
obteve sucesso.
Um
tempo depois, a mãe dormiu. A menina saiu sem fazer barulho. Eram
vinte e duas horas e à noite, se estendeu por todo o bairro…
Quarto
Dia:
Não
sabia
do
motivo de estar
com a família. Estar junto com
eles,
lhe faz bem. Também não sabia
quem era,
se tinha
um
nome, de onde viera,
e de
que
maneira,
chegou na
casa.
Acostumou-se
com eles, sentia
uma
imensa falta, na enorme distancia de horas, quando
ficavam
fora
de casa. Tinha
mais carinho com a menina, o jeitinho dela
de acender a vela e orar, a
energia agradável, uma luz que iluminava,
dando a paz, que não entendia,
o por quê.
A
vela o atraiu,
as orações, pedidos e proteções o atraíram.
Desconhecido, sem pertencer a
família.
Ou
pertencia?
Do nome, não se
recorda. Muito menos, de qual lado surgira.
Ele
queria
entender o motivo de aceitá-lo,
de não reclamar ou expulsá-lo,
até porque, era
um
estranho. Às vezes, desconfiava
de que eles
não o sentia,
outras vezes, tinha
certeza, que o enxergava,
porém, negavam
dizer. Se estivesse atrapalhando, o mandariam embora, mas como era
um
hóspede quieto, e
estava apenas
vigiando-os,
não havia
razão pra retirá-lo dali.
Hoje,
acordaram preocupados. Falaram pouco. Tomaram o café pronunciando
poucas palavras. O
motivo
principal, era o destino deles, se realmente sairiam da propriedade.
– Não.
Não sairemos. Que se dane as mal-amadas, que não têm
o que fazer. Eu tenho.
Querem
briga, terão briga. Não sou de fugir de nada. – Disse
a mãe com orgulho.
– Pedirei ao Papai do céu ajudar a gente,
mamãe. – Disse
a menina.
– Isso não adianta coisa nenhuma. – Comentou
menino sem fé.
– Adianta sim! – Disse
a menina,
de cara feia.
– Não. Não adianta!
– Ei! – A mãe
socou
a mesa e
assustou
o menino. – Não faça mais isso com a tua irmã, entendeu?
– Tá bom, mãe… Desculpa…
– Não diga que não vale a
pena, pois vale muito. Mesmo para aqueles que morreram e não
aceitaram
a morte e precisam de luz para entrar no céu. – Falou
a mãe. – É a missão da sua irmã, iluminar os espíritos
desencarnados, que não vivem mais no plano físico e que aceitam a
morte e caminham na paz para o mundo de Oxalá.
– Sei disso,
mãe…. – Respondeu
o filho.
Na
mesa, sem beber,
ele escutou
o que diziam.
Sentiu estranheza no corpo, ao ouvir a palavra, espíritos
desencarnados. Luz,
e mundo
de Oxalá.
Rejeitam
a morte, vivem no plano físico, consideram-se vivos. De qualquer
forma, isso
o
atingiu,
não desconfiou
do
motivo
e da razão. Algo que lhe faltava,
desconhecia
em qual parte, se perdera.
Entrou
a
tristeza, entrou
a
angustia. Ninguém o conheceu,
ninguém chamou
seu
nome. Nem o percebeu
na mesa do
café.
Ultimo
Dia: Conclusão
À
noite, a menina acendeu
a vela. No quarto, orando e as mãozinhas juntas concentradas.
Rezou
com devoção e com paixão. Glorificou
as entidades e
os
guias da umbanda. Pediu
proteção, até para as entidades dos Exus,
e que as almas, seguissem
tranquilas e em paz, para o reino do Papai do céu.
Ele
assistia a menina,
no canto da janela, atencioso.
O vento, entrava.
Vento frio, arejando.
A luz da vela, chamava,
a menina,
o tranquilizava.
Paz, paz era
o que, fortalecia.
A
mãe chamou
a menina, lá da sala.
– Terminou?
– Já, mamãe. –
Respondeu.
– Vem pra cá. Feche à
janela, a novela está começando. – Avisou.
– Tá bom. Estou indo.
Ela
olhou
na direção da janela. Na direção, que
ele se encontrava, naquele instante.
A
menina levantou
e caminhou.
Ele
ficou
parado e surpreso, sem
se mexer.
Ela
andou
ao encontro dele, rostinho sereno e
cabelos
loiros
escorridos.
A vela ardente, iluminava.
A lufada de frio, invadia
o pequeno quarto.
Parado,
observou
a menina,
se
aproximando.
Será que o viu? Sim,
ela o
viu
e sorrindo, caminhou.
Seu
ser se felicitou,
alegre, muito alegre. A menina
o
reconheceu,
que não era
nenhum,
invasor
invisível. Alegre, muito alegre. Abriu
os braços para
recebê-la, e dar boas vindas. Sorriu,
acreditando
que existia.
A
menina atravessou.
Atravessou
o corpo dele.
Não houve
dor,
não sentiu
nada. Atravessou. Ela
fechou
a janela. Da mesma forma, atravessou
outra vez,
como se atravessasse, uma cortina invisível. Verificou
o quarto, antes de sair. Apagou
a luz e fechou
a porta.
Trevas
e solidão. Triste, sentou
na cama. Não aceitou
o que era,
não aceitou
o que era…
Frustrado,
desiludido e inconformado, colocou
a mão no rosto. Clamar alto, não resolveria.
Desabafar, seria
inútil. Não sabia
para
aonde ir, e aceitar que não passava
de uma….
Sobrou
o risco da
lágrima, a lacrimejar. Sobrou
o choro a dominar.
E
a
alma penada, chorou.
(Rod.Arcadia)