segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A Menina Que Voou




A Menina Que Voou




Era de muita chuva quando chegou.

Molhada, feito pintinho abandonado.

Eu tinha dez pra onze anos e não tinha irmão.

De cara não gostei. Teria que dividir o quarto. Ordem de papai.
Naquele tempo com dezoito anos. Moça feita.

Mamãe foi fazendo amizade, animada e alegre, sorriso que escapava da cara.

A moça tímida e acanhada, olhão, respondia seca. Uma forma de proteção que compreendi mais tarde.

Com o tempo acostumou e ficou íntima da gente. De minha parte tomei apreço e tornamos amigos.

Num certo dia, fim de semana, fingindo dormi, vi entrando com um rapaz. Ficou em cima dela, parecia bom, ela não reclamava.

Foi assim por dias, escondido e eu nem contei e não foi de medo.

O moço que entrava era filho de um importante homem da cidade. Homem de muita influencia viajante das Europa.

Se deu um mês e sem que ninguém soubesse o malandro se escafedeu. Pra onde ou qual lugar ninguém soube. Sumiu, evaporou e a menina ficou sem chão.
O desespero aumentou quando descobriu que estava gravida.

Mas como! Como aconteceu? Perguntaram a vizinhança.
Meus pais não entendiam, não saia, quando saia era pra me levar na escola e retornava. De que raio viera à gravidez?

Pra terminar com o mistério fui logo dizendo: - Foi o filho do fulano.
Quem? Ele? O moço? O filho do tal? Ai, caramba!

Meus pais foram pra casa do pai do fujão, tirar satisfações, de nada adiantou, o homem bravo não quis saber de conversa e que a sacanagem do filho não era problema dele.

A menina chorou. O que fazer com um problemão? Levada no medico, não tinha como evitar pra desespero da criatura. Meus pais a confortaram, dando a confiança de que cuidariam, que ficasse calma e que tudo se resolveria.
Os dias foram terríveis e tristes.

Ela ficava na cama chorando o dia inteiro, mal comia, tomava banho, não conversava, ficava calada observando. A pobrezinha sofria e a gente não sabia curar a depressão.

E num certo dia ao voltarmos da casa do meu tio a encontramos caída. Não havia vida. Morta. Totalmente morta.

O medico veio constatou que era difícil diagnosticar a causa da morte.
Deixamos na cama, coberta com lençol. Eu sentia que algo me atraia a ficar de vigília, de ficar próximo.
– O que faz aí, menino? Vamos.

Mamãe me puxava pra fora, qualquer descuido eu voltava.
Fiquei triste quando a colocaram naquele caixão de necrotério. Nossa, parecia um nada, uma coisa qualquer depositada num objeto feio.
– Ela volta, né mãe?
– Não filho, não volta.
– Ah, volta sim.
– Foi para o céu e lá ninguém volta.

Houve o enterro, jogaram terra, peguei um pulhado na mão, flores foram lançadas. E nossas vidas continuaram.

Depois da missa de sétimo dia, que meus pais fizeram questão de realizar, a convivência em casa ficou vazia e triste. Não conversavam tanto e eu criança não tinha papo de adulto. Restava observá-los.

Até que certo dia mamãe ficou brava com papai. Dizia cada palavra feia e chorava. Ele tentou acalmá-la, implorou perdão, que era um monstro, que o que tinha feito era monstruoso e que foi fraco.

Meu pai saiu de casa, quis perguntar, continuei calado, a olhar mamãe. Dei-me meu abraço, ela aceitou, sem dizer nada.

Alguns meses papai voltou. E passou um ano meu irmão nasceu.
Ha muito tempo após eu entendi a discussão, o caso da menina, a gravidez e o filho do fulano.

Hoje evito falar, até esquecer. Sei que tudo mudou, o segredo que guardamos e que não traz boas recordações, principalmente aos meus pais.

E eu não esquecerei da menina, a menina que vi voar.
– Mãe, ela voou!
– Quem, voou, menino?
– Ela mãe, ela ali.
– Filho, você sabe que isso não pode.
– Eu vi voando, subindo pra cima, para o céu.
– Tá bom. E o que mais, garotão?
– Sorriu. Sorriu e voou e desapareceu lá alto...
– Que lindo. Bom, chega, vai tomar banho, agora, já!

(Rod. Arcadia)




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