A
boca não era linda nem os lábios grossos chamavam a atenção, o dia inteiro a pintá-lo. Primeiro de abóbora, depois mudava
para rosa choque e seguia para alaranjado destacado e por
último aquele batom de dama da noite, talvez a cor desse tipo de
batom seja mesmo a vermelha, sempre o lambuzava nos lábios,
você reparava nos contornos e desenhos da boca, tudo, tudo vermelho.
Quando
ia ao baile, botava vestido que todo mundo sabia de cor, os
sapatos que ganhou de um senhor, que sequer pegou na mão dela e o
comentado batom de dama da noite. Não perdia nenhum sábado, descia o morro pra pegar ônibus até ao centro e chegar ao salão de
baile. Era forró, bolero, tango, samba
rock,
música moderna não havia e se uma mãozinha boba colava nas partes
mais íntimas, rodava a baiana e partia pra cima. Quando
não existia nenhum abuso, era arrasta pé até
as
cinco da manhã.
No
domingo descansava. Às vezes no baita sol de rachar, enchia piscina de plástico, colocava o biquíni e pintava de marrom os lábios, bronzeava toda, exibia ray-ban comprado no camelô e dizia
que era seu dia de madame. Nos dias de piscina o ritual
era um sambinha, Fundo de Quintal, Originais do Samba, Demônios da
Garoa e arriscava alguns passinhos.
Na
segunda ia para o batente. O batom discreto rosa bem fraco, trabalha
de doméstica pra uma viúva chique, num casarão com piscina próximo
ao centro. Por descuido trocava a cor do batom o que levava
reclamação da patroa e ia as pressas trocar ou deixava os lábios sem cor.
Era
desse jeito a rotina, pra cima e pra baixo pintando a boca, que não
era bonita, o vermelho da dama da noite chamando atenção. Ei!
Vê lá como pensa de mim, rapazinho. Não sou tua parenta!
E
sai a desfilar de boca colorida, feliz como é e cantando o bom da
vida.
(Rod.Arcadia)
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