Foi
de surpresa que chegou em casa. Dia treze, não era sexta, mas
quarta-feira trouxe malinha simples e bolsa a tiracolo pendurada no
ombro. Papai disse pra ficar a vontade, chamou mamãe que estava na
cozinha preparando almoço. Veio rápido, contente abraçou-a abraço
bem apertado e logo tomou na mão a malinha falando que era bom tê-la
conosco. Nesse dia que conhecemos Narinalva.
No
dia que Narinalva chegou eu tinha nove anos, com sua timidez do
interior, bichinho do mato, meus pais a tranquilizaram mostrando que
não havia perigo.
Fiquei
surpreso, disse olá sem jeito que respondeu com sorriso tímido,
dias depois acostumada não existia a moça que vimos na primeira
vez.
Narinalva
de pele cabocla, cabelo liso, longo e escuro, olhos de mel, tinha
mania de pintar as unhas de vermelho e o lábio de batom cereja,
gostava de cantar sem se envergonhar da desafinação e a amávamos.
Papai
a trouxe através de um amigo, o Seu Rogério, espécie de padrinho,
não conhecia a origem de Narinalva e nunca procurou saber, quando
soube que mamãe precisava de alguém para ajudá-la nos afazeres
avisou papai da novidade. Papai gostou, imediatamente mandou buscar a
moça.
E
permaneceu com a gente até o dia que teve que nos deixar.
Ficamos
bons amigos, pois me levava na escola. Mesmo com nove anos, mamãe
não aceitava eu ir sozinho e Narinalva fazia a gentileza. Eu
adorava, já que íamos de mãos dadas e era provocação aos meus
amigos e era bom receber na hora da entrada um gostoso beijo molhado
no rosto.
Nas
noites brincava comigo, contava histórias horripilantes, não sentia
graça em historinhas de príncipes e princesas, de sapos
enfeitiçados. Mamãe protestava argumentando que eu não conseguiria
dormir e urinaria na cama, alegava que estava mocinho e não tinha
medo de nada. Papai orgulhoso de mim, só ria, pedia pra mamãe se
acalmar e tudo continuava normal.
Quando
eu adoecia vinha Narinalva cheia de carinho a cuidar de mim, sarava
rapidinho.
No
entanto, sabendo que era ótima pessoa, cuidadosa, sem preguiça com
qualquer tarefa não sabíamos quem era Narinalva. Carregava
mistérios, não revelava muito da vida, se insistisse nas perguntas
arrumava jeito de despistar e saia na tangente e nós deixávamos em
paz.
Às
vezes puxava assunto, respondia que sua origem era diferente das
outras. Então a dela era especial? Perguntei. E abria gargalhada
exagerada e ria da minha bobice. Não que eu achasse ruim, pelo
contrário, sequer conseguíamos estar chateados com ela. No entanto,
o caso da origem de Narinalva foi largado até o dia da aparição...
No
dia da aparição estava nervosa, olhos grandes de preocupação. “A
hora tem seu fim. Sim, tem seu próprio fim.”
O
que dizia não havia sentido pra mim nem para meus pais. Nervosa,
tivemos que acalmá-la, ardia em prantos e não dizia nada com nada.
Fiquei com medo, mamãe e papai chamariam o médico ou levaria no
hospital, recusou, o que sentia nenhuma medicina humana ajudaria, a
hora chegou ninguém pararia.
Chegou
aos poucos, aquela gente, gente estranha, a pé e descalça, vinte,
trinta, cinquenta, a conta perdia, se confundia, quem seriam não
sabíamos, Narinalva sabia. “É chegado o momento do retorno.”
Que retorno? Perguntou mamãe e Narinalva apenas tremia. “Leve-me,
leve-me pra fora, tenho que ir e voltar a ser o mundo.”
Obedecemos.
Levamos e a quantidade mais esquisita se amontoando ao redor da nossa
casa. Muita gente adulta, crianças e animais. Mas quem seriam?
Somente Narinalva responderia.
A
rua lotou. O bairro curioso pra descobrir qual seria a ligação de
Narinalva com aquelas pessoas.
“Não
temam, são de paz. Vieram em minha procura.” Respondeu Narinalva.
Foi
aí que um ancião de pele parda tomou a frente. Andava apoiado no
cajado, de pés descalços, vestido num pano branco pra esconder a
nudez.
“Tudo
bem. Não há perigo.” Narinalva tranquilizou.
O
ancião se aproximou e Narinalva deu alguns passos.
“Viemos
pra retornar. Todos preparados. Viemos em busca do mundo.” Disse o
ancião.
“Estou
pronta, aguardando há anos. Preparada para recebê-los”
“Que
seja consumado. Abra. Receba tuas criaturas novamente.”
E
foi assim que Narinalva se despediu e nos deixou. No dia não
entendemos, depois com o passar compreendemos a resposta simples que
deu: “Sou o mundo e nada mais.”
Retirou
o vestido, vimos à nudez exposta. Um buraco na barriga foi se
originando, crescendo a cada segundo, aumentando mais e mais. Aquela
gente de passos lentos atravessava ia consumindo. A cada passagem
aumentava e Narinalva desaparecia.
Era
tanta gente, tanta gente voltando para o mundo, que depois entendemos
ser Narinalva. Narinalva o mundo, o mundo bonito de pessoas
estranhas.
Jamais
esqueci. Se passaram anos e eu lembro de cada detalhe, a despedida,
os comentários, a repercussão nos meios de comunicação, enfim,
espalhou como rastilho de pólvora.
Lembram-se
do caso como: A Moça que era Mundo.
Não
moro mais na cidade. Meus pais se mudaram para outra localidade onde
ninguém soube da história.
Eu
me formei em advocacia e moro na região norte de Minas Gerais, vivo
tão bem que pego olhando o céu pra encontrar o mundo de Narinalva.
(Rod.Arcadia)
Que misterioso seu conto Rodrigo. Nunca havia lido contos de sua autoria, gostei .
ResponderExcluirFiquei feliz em ver o link do meu blog do Mindim na sua relação. Abçs!
grato, Diná de ter gostado do conto. trazer mais um novo conto
Excluirbjus.