quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Mundo





Foi de surpresa que chegou em casa. Dia treze, não era sexta, mas quarta-feira trouxe malinha simples e bolsa a tiracolo pendurada no ombro. Papai disse pra ficar a vontade, chamou mamãe que estava na cozinha preparando almoço. Veio rápido, contente abraçou-a abraço bem apertado e logo tomou na mão a malinha falando que era bom tê-la conosco. Nesse dia que conhecemos Narinalva.

No dia que Narinalva chegou eu tinha nove anos, com sua timidez do interior, bichinho do mato, meus pais a tranquilizaram mostrando que não havia perigo.
Fiquei surpreso, disse olá sem jeito que respondeu com sorriso tímido, dias depois acostumada não existia a moça que vimos na primeira vez.

Narinalva de pele cabocla, cabelo liso, longo e escuro, olhos de mel, tinha mania de pintar as unhas de vermelho e o lábio de batom cereja, gostava de cantar sem se envergonhar da desafinação e a amávamos.

Papai a trouxe através de um amigo, o Seu Rogério, espécie de padrinho, não conhecia a origem de Narinalva e nunca procurou saber, quando soube que mamãe precisava de alguém para ajudá-la nos afazeres avisou papai da novidade. Papai gostou, imediatamente mandou buscar a moça.


E permaneceu com a gente até o dia que teve que nos deixar.
Ficamos bons amigos, pois me levava na escola. Mesmo com nove anos, mamãe não aceitava eu ir sozinho e Narinalva fazia a gentileza. Eu adorava, já que íamos de mãos dadas e era provocação aos meus amigos e era bom receber na hora da entrada um gostoso beijo molhado no rosto.


Nas noites brincava comigo, contava histórias horripilantes, não sentia graça em historinhas de príncipes e princesas, de sapos enfeitiçados. Mamãe protestava argumentando que eu não conseguiria dormir e urinaria na cama, alegava que estava mocinho e não tinha medo de nada. Papai orgulhoso de mim, só ria, pedia pra mamãe se acalmar e tudo continuava normal.
Quando eu adoecia vinha Narinalva cheia de carinho a cuidar de mim, sarava rapidinho.

No entanto, sabendo que era ótima pessoa, cuidadosa, sem preguiça com qualquer tarefa não sabíamos quem era Narinalva. Carregava mistérios, não revelava muito da vida, se insistisse nas perguntas arrumava jeito de despistar e saia na tangente e nós deixávamos em paz.

Às vezes puxava assunto, respondia que sua origem era diferente das outras. Então a dela era especial? Perguntei. E abria gargalhada exagerada e ria da minha bobice. Não que eu achasse ruim, pelo contrário, sequer conseguíamos estar chateados com ela. No entanto, o caso da origem de Narinalva foi largado até o dia da aparição...

No dia da aparição estava nervosa, olhos grandes de preocupação. “A hora tem seu fim. Sim, tem seu próprio fim.”
O que dizia não havia sentido pra mim nem para meus pais. Nervosa, tivemos que acalmá-la, ardia em prantos e não dizia nada com nada. Fiquei com medo, mamãe e papai chamariam o médico ou levaria no hospital, recusou, o que sentia nenhuma medicina humana ajudaria, a hora chegou ninguém pararia.

Chegou aos poucos, aquela gente, gente estranha, a pé e descalça, vinte, trinta, cinquenta, a conta perdia, se confundia, quem seriam não sabíamos, Narinalva sabia. “É chegado o momento do retorno.” Que retorno? Perguntou mamãe e Narinalva apenas tremia. “Leve-me, leve-me pra fora, tenho que ir e voltar a ser o mundo.”

Obedecemos. Levamos e a quantidade mais esquisita se amontoando ao redor da nossa casa. Muita gente adulta, crianças e animais. Mas quem seriam? Somente Narinalva responderia.

A rua lotou. O bairro curioso pra descobrir qual seria a ligação de Narinalva com aquelas pessoas.
“Não temam, são de paz. Vieram em minha procura.” Respondeu Narinalva.
Foi aí que um ancião de pele parda tomou a frente. Andava apoiado no cajado, de pés descalços, vestido num pano branco pra esconder a nudez.
“Tudo bem. Não há perigo.” Narinalva tranquilizou.
O ancião se aproximou e Narinalva deu alguns passos.
“Viemos pra retornar. Todos preparados. Viemos em busca do mundo.” Disse o ancião.
“Estou pronta, aguardando há anos. Preparada para recebê-los”
“Que seja consumado. Abra. Receba tuas criaturas novamente.”

E foi assim que Narinalva se despediu e nos deixou. No dia não entendemos, depois com o passar compreendemos a resposta simples que deu: “Sou o mundo e nada mais.”

Retirou o vestido, vimos à nudez exposta. Um buraco na barriga foi se originando, crescendo a cada segundo, aumentando mais e mais. Aquela gente de passos lentos atravessava ia consumindo. A cada passagem aumentava e Narinalva desaparecia.

Era tanta gente, tanta gente voltando para o mundo, que depois entendemos ser Narinalva. Narinalva o mundo, o mundo bonito de pessoas estranhas.

Jamais esqueci. Se passaram anos e eu lembro de cada detalhe, a despedida, os comentários, a repercussão nos meios de comunicação, enfim, espalhou como rastilho de pólvora.
Lembram-se do caso como: A Moça que era Mundo.

Não moro mais na cidade. Meus pais se mudaram para outra localidade onde ninguém soube da história.
Eu me formei em advocacia e moro na região norte de Minas Gerais, vivo tão bem que pego olhando o céu pra encontrar o mundo de Narinalva.


(Rod.Arcadia)

2 comentários:

  1. Que misterioso seu conto Rodrigo. Nunca havia lido contos de sua autoria, gostei .
    Fiquei feliz em ver o link do meu blog do Mindim na sua relação. Abçs!

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    1. grato, Diná de ter gostado do conto. trazer mais um novo conto
      bjus.

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