segunda-feira, 31 de março de 2014

A Namorada






Tudo começa nas melhores famílias, como a minha. Ah, a minha é uma das melhores, não tenho que negar. Veja os exemplos das outras, dos vizinhos, não se comparam com a minha família.

Chamo-me Milton, casado com Mirian e temos a Mirela, a filha mais velha e o Marquinhos, que é o caçula. Não me pergunte como esse negocio de letra “M” começou, mas já que Mirian e eu temos as mesmas iniciais, continuamos com os nossos filhos.

Conheci Mirian na festa junina da igreja do São Dimas. Ela dançava a música de um grupo country desafinado. Foi atração, soube o seu nome, onde morava, lembrei de um poema de Manuel Bandeira, e tudo aconteceu.

Depois vieram os filhos. Primeiro veio a Mirela, que tem seus 22 anos, estudante, curso no Senai de elétrica, pinta o cabelo de vermelho, está na idade de namoro e namoro é que eu contarei mais pra frente. O Marquinhos, o caçula tem seus 20 anos e parou de ir à escola. Pelo menos, trabalha de motoboy. É um bom garoto.

Como eu disse, era idade de namoro sério.
Até que um dia, Marquinhos apareceu com uma moça.

Aparentemente 21 anos, alta, magra, a pele do corpo, era pink, cabelos longos, que despontavam no seu quadril, eram amarelos feito gema de ovos, os olhos púrpuras, esferas planetárias poéticas, o nariz fino e pontudo, no entanto muito magra, fina feito papel, lábios pequenos pintados de um leve vermelho carmim, mas, o que mais chamara atenção, era a cor, uma cor que nunca tínhamos visto.

Ela era Pink. Que espécie de criatura possuía pele pink? Marquinhos nos apresentou, que o nome era Monique, que de dia trabalhava no salão de cabeleireiro e de noite trabalhava na boate, dublando cantoras americanas.

Monique falava mole, um tanto exagerada e Marquinhos revelou que tinha a conhecido, nesta boate, que se gamou por ela e que fazia três meses que namoravam, e que faltava coragem de falar pra gente. Na verdade, eu era o único que não sabia, já que, Mirian e Mirela sabiam há muito tempo.

Por que tanto segredo e medo? Tá certo que a moça, era um tanto diferente, imaginei que meu filho, chegaria em casa com uma loira de 1,90m, olhos verdes (ou azuis), rostinho de modelo, não são essas as fantasias de qualquer garoto da idade dele? Casar com uma loira fenomenal? Só que, fantasia é uma coisa, realidade é outra. Acontece que os garotos acabam casando com mulheres de cabelos escuros e se conformam com isso. Mas, com o meu filho era diferente, não tinha nada de cabelo escuro, e sim uma de pele pink, de cabelo gema de ovo.

Em meu quarto, soube a verdade, mesmo que Mirian tenha demorado em dizer.
– Ela é transexual.
– Quê! Transa o quê?
– Transexual. – Repetiu.
Fiquei um tempo pensando, até que caiu a ficha.
– Tá dizendo que o Marquinhos namora um travesti?
– Não é travesti, é transexual. Travesti não opera, transexual, sim.
– Pouco importa. É traveco. Marquinhos namora um trave…
Mirian tapou minha boca.
– Não fale assim.

Aí ela explicou, que no estrangeiro, homem que quer mudar de sexo, além de desistir do membro, pode mudar a cor da pele. Se for para modificar, modificava tudo. O nome era “Projeto Borboleta no Casulo.” Quando conheceu a moça, ela estava metamorfoseada. Eu não engoli, meu filho de beijos com um trave…
- Eles se gostam. – Falou Mirian. – Não esquenta.
– Não esquenta, porque o nosso filho, não namora uma mulher de verdade, e sim um trave…
- Xi!
– Isso não é normal, Mirian!
– Milton, você tem que saber, que o mundo está mudado, ele transvirou.
– E o que será de mim? Como comentarei com meus amigos de futebol e churrasco, que meu filho namora um trave… – Mirian fez cara feia. – Tá, cê sabe o que eu quis dizer. O que será de mim?
– Está pensando somente em você. E não acha que os filhos machões dos seus amigos, não têm fantasias, por uma pessoa igual à Monique? É um novo mundo amor, é nós temos que nos acostumar.

Bem, não está sendo fácil acostumar. Pensei. E se fosse fantasia do Marquinhos, para saber como namorar um trave?

Pra dizer aos netos, que namorou um… Que eu viria entrar de mãos dadas, com uma mulher de verdade, (podia ser evangélica) era o que pensei, que era somente, fantasia de garoto.

No café da manhã, minha filha tinha a mesma opinião que a mãe.
– A Monique é gente boa.
– Como sabe? – Perguntei.
– Nós três saímos.
– Ah, sei. E sua mãe sabia de tudo?
– Sabia.
– Acha correto seu irmão namorar um trave…?

Ela fez uma careta negativa.
– Cê sabe o que eu quis dizer. Acha correto?
– Pai, o Marquinhos tá feliz, falou em voltar a estudar, terminar os estudos, pra garantir um serviço melhor. A Monique está fazendo bem a ele.
– Terminar os estudos? Ele te disse?
– Disse.
– Isso é, uma excelente notícia.

No domingo, Marquinhos apareceu com a tal Monique, e eu como pai, quer dizer, exercendo minha autoridade de chefe da casa, perguntei mais sobre a vida dela. Que nasceu em São José dos Campos, morava no bairro do Morumbi, tinha uma família de quatro irmãos, três homens (contando com ele) e uma menina adotada. O pai trabalhava na General Motors, a mãe dona de casa. Começou a sentir desejos por homens aos doze anos, namorou com meninas, para tentar não escandalizar a família, não conseguiu continuar. Era mulher, no corpo de um homem. Aos dezessete se vestiu de mulher, escolheu o nome Monique, porque o achava bonito. Aos dezenove, quis mudar de sexo, de corpo, cor e nome e pagou para entrar no “Projeto Borboleta no Casulo”, que não há mais vestígios de masculinidade, e que se sente orgulhosa por isso.

Ai. Dá arrepios pensar, em meu filho beijando um trave…
Fantasia de garoto, só podia.

O tempo foi passando e Marquinhos continuava o namoro e terminou os estudos, não era mais motoboy, trabalha como instalador de computador, arrumou economias para financiar um apartamento no Parque Industrial.

Eu pensava que era fantasia de garoto.
A família de Mirian soube, a minha idem. Todos conheceram a namorada, consideraram um excelente trave… Uma excelente moça.

Os vizinhos que olhavam de nariz torto, desistiram, estavam carregados de problemas nas vidas deles. Era fantasia de garoto, acreditei.

E num outro almoço, com churrasco, Marquinhos veio falar comigo sozinho. Tive um calafrio, desconfiava do que seria.
– Pai.
Pausou.
– Pai. Sabe que eu e a Monique, estamos há muito tempos juntos e o senhor pode crer, nos amamos, por isso organizei esse almoço especial...
– Vamos, sem enrolar. O que quer falar, realmente?
– É que…
- Hum, e aí?
– Eu e a Monique… A gente resolveu…
– Se casar?
– É. Isso aí, resolvemos nos casar. Vamos morar juntos, construir vida a dois. O senhor sabe, o que estou dizendo.
– Sei. Sei muito bem.

- Olha.

Ele retirou do bolso uma caixa de anéis, abriu e duas alianças douradas e chamativas reluziram.
– Resolvi noivar. Bonitas, não é?
– Muito.

Danou-se. Não era fantasia de garoto.
– Marquinhos, tem certeza de que é isso, que quer pra sua vida?
– É o que mais sonho, pai. Sou gamado nela, o meu futuro é ao lado dela.
– Mas você terá como mulher, um trave…
Ele lançou um olhar de pena pra mim.
– Sabe o que eu quero dizer.
– Nós decidimos.
– Se houve uma escolha, não serei eu que interromperá. Reúna sua mãe, irmã e a namorada.

Aí anunciou o noivado, iriam se casar. Mirian não parava de chorar, e eu com cara de banana vendo a cena.

É por isso que eu digo. Não existe família igual a minha. Aposto que nenhuma delas passaram, o que estou passando. Vai por mim.

Estou na igreja, em pé ao lado de Mirian, igreja lotada de gente.
A igreja enfeitada com fita e flores brancas, no chão, um lindo tapete vermelho, em cima, no coro, vozes ensaiando, do nosso lado, um pouco afastado, Marquinhos de terno branco e bonitão.

Chegaram mais gente, ficaram ao meu lado e de Mirian. Durou um longo tempo. Aí começou os acordes.

As vozes do coro preenchiam a acústica, o padre entrou, todos os presentes se levantaram, ela veio entrando com duas damas de honra. Vinha em passos lentos. Mirela, que estava no banco da frente, clicava na máquina fotográfica e Monique, em passos lentos, usando vestido branco de seda, sem véu, segurando o buquê, o sapato branco, sem exagero.

Marquinhos deu sua mão pra ela e beijou a dela, conduziu-a na frente do padre, se ajoelharam. Mirian não parava de chorar.
– Por que chora?
– De felicidade. Nosso filho emocionado, olha na cara dele.
– Não sei pra que tanta emoção, tá casando com um trave… ai!

Mirian me beliscou. Ninguém ouviu. Ouviam o padre.
Isso não acontece nas melhores famílias.
Te vejo por aí.





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